segunda-feira, 28 de setembro de 2009

DESEJO FLORES A VOCÊ...



Meia-dúzia de frases por telefone e pronto, estava marcado o cafezinho pra não perder o bom e velho hábito que alimenta e renova a velha e boa amizade. Naquela tarde, um assovio moleque fez as vezes de campainha (não sabia que minha amiga assoviava com tamanha desenvoltura), pra minha inveja pois já cheguei à beira da desoxigenação cerebral tentando aprender a arte do tal sopro musical. Danada! 1x0 pra você. Regadas a um petit noir, as novidades foram tecidas uma a uma sem espaço pros detalhes, já que o encontro não passaria de uma agradável meia-horinha. Depois que nosso papo foi interrompido por um telefonema de outra amiga pedindo detalhes do preparo de uma salada de rosas, o assunto descambou pro lado das flores, em particular das comestíveis, claro! Sem contar que minha amiga estava usando uma linda saia florida e eu uma blusa cor-de-rosa. Saquei na hora: é o equinócio de setembro, é primavera no hemisfério sul, a primavera austral, que começa em 23 de setembro e vai até 21 de dezembro. É o reflorescimento da flora e da fauna terrestres. As coisas começam a mudar pra melhor... O que vou dizer periga parecer piegas, mas lá vai: o amor está no ar. Não resisto à tentação de citar Cecília Meireles: “A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega...” quer você perceba ou não.
Voltemos às nossas flores de comer que devem ser obrigatoriamente cultivadas sem nenhum produto químico e regadas com água filtrada. A capuchinha dá cor e um gosto ligeiramente apimentado às saladas. A lavanda, de sabor ímpar com tons cítricos, é perfeita para chás, biscoitos, sorvetes. A viola odorata é uma linda violeta doce. As pétalas de rosas dão cor e sabor a saladas e guarnições. Amor-perfeito são florezinhas delicadas, adocicadas e decorativas que flutuam sobre sopas e cremes. Os cravos têm sabor doce parecido com noz-moscada. Desfrute dos hibiscos, da flor de cebolinha, das petúnias... A Salada Primavera da Chef Eliane Carvalho é uma explosão de cor e sabor em um lindo bouquet de carpaccio de salmão... É de chorar de prazer!
Faça um mix de 3 ou 4 folhas verdes, palitinhos de cenoura e salsão, flores comestíveis de sua preferência. Embrulhe no carpaccio de salmão e amarre com cebolinha verde escaldada. Faça um molho vinagrete com suco de limão, azeite, sal e pimenta-do-reino quanto baste. Prepare uma redução de suco de laranja e maracujá (reserve as sementes para decorar). Misture tudo. Coloque o bouquet no prato e regue com o molho. Delicie-se e aprenda com cada primavera a se “deixar cortar para poder voltar sempre inteira”. Bon appétit!







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terça-feira, 22 de setembro de 2009

LE DÉJEUNER SUR L'HERBE



Ou O Almoço sobre a relva ou O Piquenique no bosque é um óleo sobre tela de Édouard Manet. “Por trás de um título aparentemente inocente, esconde-se um pintura com uma força incrível, capaz de chocar o mais distraído espectador.” A modelo nua, com o rosto apoiado pela mão direita, não se inibe em sorrir ligeiramente, exibindo uma aparência segura e sensual. Porém a obra provocou um escândalo na sociedade conservadora (e hipócrita) da época quando exposta no Salon de Paris em 1863. A sensual nudez perante dois homens sobriamente vestidos foi trop para os parisienses. O artista não pretendia criticar a sociedade, o que a tela declarava era a deliciosa liberdade do pintor. O pique-nique era uma refeição na qual cada um levava sua parte. No início do século dezenove, os franceses absorveram do picnic inglês, o sentido moderno da palavra: passeios ao ar livre nos quais as pessoas levam alimentos a serem desfrutados por todos. Foi após a Revolução Francesa, com a abertura dos castelos, que o povo aproveitou para usufruir dos lindos jardins e fez o substantivo virar verbo, pique-niquer virou ação sagrada na primavera e no verão. O piquenique é uma refeição fraterna, generosa, despretenciosa. Deliciosa. Ela alimenta o arquétipo de compartilhar que é partilhar o pão com. Até as migalhas e as sobras farão o banquete de milhares de insetos... Hoje a toalha xadez estendida no chão está em desuso e os encontros ao ar livre cada vez mais sufocados pelo conforto e a praticidade da vidinha moderna. Uma dó. Quer refeição mais prática e mais confortável que um piquenique? Não tem. Mais prazerosa, mais alegre e sensual? Também não. Por isso os franceses insistem e em tardes ensolaradas lá estão os intrépidos descendentes dos gauleses esparramados, aos pares, em bandos, panier cheinho de frutas frescas, pães, queijos, geleia de morangos do jardin, e algumas garafas de vinho que vão corar faces e fazer todo mundo ver la vie en rose logo logo... Eles é que estão certos. Essa “compota de cebolas” é perfeita como acompanhamento para carnes mas fica deliciosa também sobre fatias de pão durante um piquenique. Corte 15 cebolas em rodelas e frite-as em fogo forte com um pouco de óleo. Deixe no fogo durante 20 minutos mexendo sempre. Acrescente as cascas de 3 laranjas cortadas em tirinhas muito finas, 7 cenouras cortadas em tirinhas, 3 tomates sem pele e sem sementes cortados em cubos. Tempere com sal, pimenta-do-reino e 2 punhados de açúcar. Abafe por 10 minutos. Regue com 2 colheres de vinagre de vinho. Retire a mistura do fogo quando estiver corada e curtida. Bon appétit!

terça-feira, 15 de setembro de 2009

NA HORTA DA NINA



Na horta da Nina tem abobrinha boa pra fritar, tem ameixas pra embebedar, banana pra virar bananada, batatas a serem esmurradas; tem chuchu pra fazer com camarão, cebolas casadas com casca de laranja curtindo a união; tem pêssegos e amoras pra fazer crisp, tem jaca, uva e figos; tem maracujá pra fazer musse, peras pra grelhar na manteiga, abóbora nova pra derreter no risoto; tem pepino pra por no sanduíche e quiabo que vai virar picles; tem até coco pra enriquecer o sequilho; tem o que não pode faltar pra fazer sopa; é sopa de tudo quanto há, é pra nadar de braçada, tem sopa quente, sopa fria, sopa doce e fria... Tem sopa de criatividade, de humor e imaginação. Tem talento de dar sopa. Na horta da Nina, informação vem às pencas acompanhadas de baldadas de prazer. Quer saber, essa Nina Horta não é sopa! Pro meu gosto, tinha que se chamar mesmo era Nina Horti-Fruti-Granjeira pra desbancar todo mundo com suas aves de poleiro, o pato banhado na cerveja e o peru cheio de bossa... Nem vou falar no boeuf à la mode ou na bacalhoada cheirosa e o pernil de cordeiro vai ficar pra uma outra ocasião. É de sopa, sopa e sopa que vamos hoje... É sopa pra agradar o corpo e acalentar a alma. Esbalde-se! Sopinha de pão com hortelã: corte 3 pãezinhos em cubinhos e doure na manteiga. Divida os cubinhos em 4 tigelas de sopa. Coloque folhas de manjericão por cima e regue com caldo de carne bem quente (prepare dois litros de caldo). Caldo de feijão-mulatinho com pêra: cozinha-se a pêra com casca e cabinho em pé, no próprio caldo de feijão. Sirva-a no meio do prato, inteira com o caldo por cima e regue o feijão com vinagre comum ou balsâmico ou limão. Troque o feijão por lentilhas se preferir. Sopa de frutas: limpe, tire caroços e pele de abacaxis, pêssegos, laranjas, cerejas... Corte as maiores em pedaços e deixe as menores inteiras. Branqueie tirinhas de laranja e de limão na água fervente e refresque em água fria. Coloque uma garrafa de vinho tinto para reduzir pela metade, tempere com açúcar, junte as cascas de laranja e folhas de hortelã. Misture tudo com cuidado e deixe na geladeira por duas horas antes de servir em lindas taças transparentes.
Bendita seja a chuva que molha a terra e nutre o solo a ser fecundado... Benditas sejam as mãos que colhem agradecidas, os frutos dela. Obrigada Nina por seus escritos e essas comidas que são deliciosamente bebidas.
Bon appétit!

domingo, 13 de setembro de 2009

ENTRE ALHOS & BUGALHOS





Alho todo mundo conhece, percebe de longe; nem todo mundo gosta, mas alho é alho e isso não se discute. E o tal bugalho? Esse está na boca do povo e nem comida de gente é; faz parceria com o alho em expressões repetidas pelos quatro cantos, temperando o linguajar popular, mas não passa de uma protuberância arredondada que se forma em algumas árvores como o nobre carvalho, o sobreiro e a azinheira; tal saliência tem lá sua serventia, afinal é no interior do bugalho que a vespa se desenvolve e aí passará por todas as fases das suas metamorfoses: larva, ninfa e inseto adulto. Acho que aqui mora a (con)fusão entre os dois: o alho alimenta e cura o homem, o bugalho nutre a larva até que se torne vespa, duas histórias recheadas de magia e graça. É entre esses dois mundos que escolhi viver, oscilo entre comida e história; de vespa, descobri, tenho muito, fui larva, ninfa e hoje vespa livre; bati asas, aprendi a voar, mas de anjo, confesso, tenho muito pouco. Daqui pra frente, não troquemos alhos por bugalhos. É a história do vegetal encontrado na forma de raiz que quero debulhar... Esta panacéia conhecida desde a antiguidade. Seu bulbo, popularmente conhecido como cabeça, é composto por dentes que são usados como condimento culinário e como medicamento há milhares de anos em todo o mundo. No Egito era empregado para remediar males do aparelho digestivo e na Grécia Antiga, para tratamento de patologias pulmonares e intestinais. Hoje, sabe-se que o alho possui inúmeras propriedades terapêuticas contra doenças do coração e funciona como um antibiótico natural no organismo humano. Os altos teores de zinco e selênio (metais antioxidantes) estão diretamente ligados ao funcionamento do sistema imunológico. Em resumo, dados, estudos e pesquisas comprovam o que nossas avós estão carecas de saber e repetir: alho é gostoso e é bom pra tudo! Porém os gostos são pouco unânimes. Os povos mediterrânicos são seus maiores apreciadores, associando-o geralmente ao tomate e à cebola. Outros menos adeptos a seu uso, devido ao odor forte e picante, chegaram a chamar a plantinha de rosa fétida. Uma curiosidade aos amantes da rosa fétida é um restaurante temático de mesmo nome, o Stink Rose, em São Francisco (Califórnia), onde a maior parte do que se consome é temperado com alho e alguns pratos apresentam um gosto bem acentuado deste tempero. Mais curioso ainda, é um vinho carregado de seu cheiro e sabor. Sem falar de uma sobremesa muito peculiar, o sorvete de alho. Valho- me Deus! É pra lá que eu vou.
Faça esse Frango com 40 dentes de alho que é batata para afastar qualquer vampiro mal intencionado. Providencie um frango pequeno, 40 dentes de alho inteiros e com pele, 30gr de manteiga e sal quanto baste. Derreta a manteiga e doure o frango inteiro de todos os lados. Salgue, junte os dentes de alho e um pouquinho de água. Feche bem e cozinhe por 30 minutos sem abrir a panela. Come-se espremendo o alho entre os dedos sobre uma torrada, amassando-o em seguida pra formar um purezinho. Bon appétit!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

AO LONGO DO CAMINHO...



(e não é o das Indias). Setembro de 2005. Pelo menos metade do caminho a ser percorrido já tinha ficado para trás; para trás também ficaram muitas dúvidas, alguns medos e outras inhacas. Outro tanto estava por vir, mas a essa altura, já tinha aprendido: era um dia por vez, uma passada na frente da outra e pronto. De qualquer maneira, forças não tinha mais para programar o dia seguinte; aprendi na marra a não me pré-ocupar e a só me ocupar do que estava diante do meu nariz. Ao todo foram trinta e três dias de muito sofrimento físico (já que preparo não tinha nenhum) para completar a pé, os oitocentos quilômetros que separam Saint Jean Pied de Port, no extremo sul da França, de Santiago de Compostela, no noroeste da Espanha. Mazelas à parte, sobraram as boas lembranças, a graça e o prazer de viver aos poucos e com pouco neste caminho que é um testemunho do poder da fé cristã. Tão prazeroso quanto, foi emagrecer co-men-do! Começava o dia com uma tigelinha de café com leite e duas madeleines (ok, três) que adoçavam a boca por horas; algumas frutas colhidas ao longo do caminho completavam a refeição matinal (comi amoras, uvas e figos pelo resto da minha vida); por volta do meio-dia, um naco de queijo com pão fazia as vezes de almoço, à sombra de uma árvore ou à beira de uma fonte de água fresca... E dá-lhe pernas (e muita força de vontade) pra seguir em frente e chegar, até o cair da tarde, no próximo vilarejo onde a carcaça descansaria em algum albergue coalhado de peregrinos vindos dos quatro cantos do mundo. No jantar, refeição principal dos andarilhos (essa sim, regada a vinho pra lavar a alma), o menu do peregrino a oito euros, virava banquete, comida pantagruélica, diante da fome diabólica que assolava os santos andantes com direito a uma bela massa de entrada, um farto pedaço de frango ou carne, legumes cozidos, batatas macias, pão e um crème caramel (um pudinzinho sem-vergonha) de sobremesa. Foi numa dessas refeições que comi a fritada espanhola, uma espécie de omelete de batatas, muito simples, mas de comer de joelhos e esperar que a digestão seja feita durante o merecido sono que pode virar um maldito pesadelo.
Descasque algumas batatas, corte-as em cubinhos e frite-as na frigideira em óleo bem quente (escorra o excesso de óleo) e reserve. Bata alguns ovos para omelete, tempere com sal, pimenta do reino, cheiro verde ou ervas finas ou o que bem quiser (vale usar pimentões e tomates picadinhos, alho, cebola, imaginação). Jogue a mistura sobre as batatas ainda quentes e leve novamente ao fogo até cozinhar os ovos e obter uma omelete espessa e cremosa por cima. Corte-a como uma pizza, sirva os amigos e comam sem culpa... Mas amanhã bem cedinho, sebo nas canelas! Buen camino!
Bon appétit!