segunda-feira, 13 de setembro de 2010

FINAL FELIZ (6)



“Depois de um jantar erótico que, colherada a colherada, conduz os amantes através dos preâmbulos e jogos amorosos até o leito, deve haver um final feliz: a sobremesa.Uma sobremesa coroa a orgia íntima: mangas flambadas ao rum ou profiteroles recheados com framboesas e cobertos por um manto de chocolate...”
Os doces são, e sempre serão, a fraqueza de muita gente (inclusive a minha). O açúcar, que já foi um aliado na conservação de alimentos, virou o grande vilão da saúde. “É um vício pior que o álcool ou as drogas, porque é legal, não é considerado pecado e pode ser cometido em público.” Particularmente, não consigo imaginar o final de uma refeição sem uma sobremesa, esse bocadinho doce que traz graça e encanto à mesa e tanto prazer às papilas. Posso até resistir à tentação vez ou outra, mas acho realmente uma tristeza ter que abster-me de tão delicado pecado. Afinal, não se pode ter tudo todo o tempo. Já entendi. De qualquer forma, tenha sempre em casa um bom licor se precisar flambar frutas ou regar um pedaço de bolo; biscoitos para enfeitar uma bola de sorvete e chocolate para fazer calda; mel e chantilly pra lambuzar aqui e ali... No caso das sobremesas, beleza é mais que fundamental, então capriche nos apetrechos na hora servi-las: taças altas, pratos com bordas largas, talheres de prata...
A receita de hoje é a de um creme clarinho, de textura sedosa, de gosto suave e muito versátil. Ele serve de base para muitos outros cremes e vai bem com frutas, com bolos e tortas, com café e puro, só com uma pitadinha de licor de amêndoas ou de laranjas; fica perfeito sobre uma fatia de bolo de chocolate pra encerrar um jantar romântico. E se sobrar um bocadinho, invente um destino interessante para ele...
Creme inglês, o mais francês dos cremes (do livro Afrodite de Isabel Allende): 2 xícaras de leite, 4 gemas, ½ xícara de açúcar, 1 pedaço de casca de limão. Aqueça o leite, o açúcar e a casca de limão sem deixar ferver (!) em panela com fundo duplo. Bata as gemas. Retire o equivalente a ½ xícara do leite quente e verta-o aos poucos sobre as gemas, sem parar de mexer. Misture isso aos ingredientes anteriores e cozinhe mexendo sem parar, até ficar espesso. Retire do fogo, tire a casca de limão e deixe esfriar, mexendo de vez em quando para não formar nata. Guarde na geladeira. Aproveite!
Bon appétit.

sábado, 11 de setembro de 2010

KAMA SUTRA (5)



O kama sutra (sem aquelas acrobacias, claro!) equivale ao prato principal da refeição (este também sem exageros desnecessários, que podem estragar tudo).
“Neste momento entramos plenamente na matéria culinária. Não tenha medo. Ninguém é perfeito, mesmo os melhores cozinheiros cometem erros, o importante é não admiti-los nunca. Possuo uma vasta experiência em catástrofes culinárias, posso oferecer dados práticos que Panchita jamais aprovaria. Seu lema é execução impecável e honesta, a minha é a falta de jeito criativa. Tente navegar entre estes dois extremos, na medida do seu talento.”
Cama e mesa têm os mesmos princípios básicos. Melhorar um é aperfeiçoar o outro. Conhecer um é entender o outro... Dezenas de estudos afirmam que homens que cozinham regularmente são melhores amantes. Cozinhar requer fogo, atenção, pequenos cuidados, dedicação, paciência, um pouco de técnica, criatividade e paixão. Na cozinha, cheirar, tocar, untar, lamber, comer, tudo faz parte da mesma obra. E você acha que na cama é diferente? “Assim como o orgasmo é a apoteose do encontro amoroso, assim também o prato principal é ponto culminante de um almoço ou jantar.” É na cozinha que se aprende a amar. E que nunca nos falte comida nem amor! Amém.
No Oriente, o açafrão é utilizado como estimulante. Camarões são considerados afrodisíacos. Francesca e Marisa, amigas de Isabel Allende, juntaram os dois ingredientes em uma receita que vai tirar você do sério.
Então vamos aos nossos Camarões ao açafrão. Você vai precisar de 8 camarões grandes sem casca e limpos, 250gr de macarrão em forma de borboleta (farfala), ½ xícara de queijo mascarpone (pode ser queijo cremoso bem fresco), ½ colherinha de açafrão em pó e ½ de azeite de oliva, 1 colher bem cheia de manteiga, sal, pimenta-do-reino, 1 pitadinha de páprica e outra de alho em pó. Frite os mariscos na manteiga com sal e pimenta. No fundo da travessa onde servirá a massa, bata o queijo com uma colher e junte aos poucos o açafrão, até obter um creme amarelo homogêneo. Acrescente o sal, a pimenta, a páprica e o alho, mexendo bem.
Cozinhe a massa al dente, escorra, junte o azeite e mexa. Verta imediatamente sobre o queijo e mexa mais. Coloque os camarões por cima e sirva em seguida. É de chorar de prazer...
Bon appétit!

JOGUINHOS AMOROSOS (4)


Os jogos amorosos são para os amantes, o que as entradas são para uma refeição completa. São os beijos, muitos deles. São as folhas frescas que compõem uma nobre salada. Uma salada singela, temperada só com vinagre, azeite, sal e pimenta para os atrevidos. E basta! Pelo menos, bastava. Era a acompanhante perfeita para pratos fortes e sopas cremosas.
“O que aconteceu com a simples salada de folhas verdes de antigamente? Parece ter desaparecido, derrotada pelos alardes da nouvelle cuisine. Foi destronada por combinações esotéricas que incluem ingredientes inusitados, como manga, polvo ou macarrões chineses, temperadas com molho teriyaki e queijo roquefort.” Foi o que aconteceu. É humano querer complicar a vida, já aceitei. E pra complicar a sua, hoje aqui vai ter conversa de menos e receita de mais.
A primeira é simplória e você pode variar os ingredientes como bem entender. Vamos lá. Para o Salpicão de primavera, misture 120gr de salmão defumado desfiado (ou ave, ou carne fria, ou camarões), 1 alface picada bem fina, 1 cenoura cozida e picada em cubos, 1 tomate picado sem pele nem sementes, ½ xícara de ervilhas novas, 1 ovo duro partido em quatro. Verta por cima tempero francês pouco antes de servir. Para o Molho francês: ¼ xícara de azeite de oliva, 3 colh. de vinagre de estragão, 1 colh. de açúcar, 3 colh. de suco de limão ou laranja misturados, ½ colherinha de molho inglês, mesma medida de mostarda, 1 pitada de gengibre moído, sal. Coloque tudo em um frasco, agite bem e guarde na geladeira até servir.
A segunda é mais classuda: Peras ao roquefort. Anote: 1 pera por pessoa, ½ limão, 1 colh. de mel, molho roquefort frio, pimenta-branca, ½ xícara de nozes moídas. Corte as peras pela metade e ao comprido. Retire sementes e fibras (deixe o centro oco). Tempere-as com uma mistura de mel, limão, sal e pimenta. Coloque-as viradas para baixo em uma travessa redonda formando uma estrela. Verta o molho roquefort e decore com chuva de nozes moídas. Molho roquefort: 3 colheres de queijo roquefort, 3 de creme de leite, 3 de aipo picado fino, 1 de manteiga, 2 de vinho branco seco, 1 gema de ovo, sal e pimenta. Bata creme e queijo. Junte manteiga, aipo, sal, pimenta e mexa. Aqueça sem deixar ferver. Bata a gema com o vinho e misture, mexendo bem até ficar espesso. Divirta-se!
Bon appétit.

"AQUECIMENTO PRÉVIO" (3)



“Às sopas aplica-se um critério semelhante ao dos molhos: são como os preâmbulos do amor e devem ser preparadas levando-se em conta todos os sentidos: aparência, aroma, sabor, textura e, em alguns casos, som. No mundo ocidental é falta de educação inclinar-se sobre o prato e fazer ruídos ao tomar a sopa, mas no Oriente seria um acinte para o anfitrião comê-la com a colher na ponta dos dedos, sem entusiasmo nem paixão.” Cá estou eu, de novo, citando a bruxa-mor Isabel Allende.
As sopas nos permitem ser criativos e seguir nossa intuição na hora de cozinhar. Elas são generosas e complacentes; não nos impõem o rigor do passo a passo, a precisão da balança, as medidas exatas. São boas. Existem pessoas que possuem um talento especial para preparar caldos e sopas (não é o meu caso), mas apesar desse dom, não conseguem fazer duas exatamente iguais (é o meu caso). Cada sopa é única, como cada cozinheiro. O melhor a fazer é “mergulhar no prazer”, se deixar levar e ver no que vai dar. Outra sopinha simpática é o consomê, um caldo translúcido e leve, servido antes de um prato mais encorpado. Os consomês são deliciosos, mas têm lá seus segredinhos e suas frescuras na hora do preparo. Devem ser cuidadosamente coados depois de frios e para dar um pouco mais de “liga” a um cosomê transparente, é preciso acrescentar uma colher de gelatina sem sabor dissolvida no próprio caldo (nada que nos tire o sossego da alma, pelo contrário). Os franceses são os AS de todos os caldos e, acredite, se te pegarem no flagra usando caldos em potinhos, em cubinhos ou aqueles em pó, sabe? Pois é, te mandam direto pra guilhotina. Exageros à parte, voltemos pra o que nos interessa: comida. E essa vai te fazer babar: Holyday de maçã (não fica doce, juro!). Providencie 1 maçã verde grande, descascada e cortada em fatias, 1 colher de manteiga, 1 xícara de caldo de verdura, ½ colherinha de curry em pó, 1 pitadinha de canela, 1 iogurte natural (200gr) ou 2 colheradas de creme de leite, 1 pitada de açúcar e sal, se necessário. Frite a maçã na manteiga. Junte o caldo e o curry. Cozinhe por 5 minutos e deixe esfriar. Junte o iogurte (ou o creme) e o açúcar. Bata no liquidificador e acerte o sal. Sirva fria (o “quente” dessa sopa é a mistura de curry e canela). Aproveite!
Bon appétit.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

HORS D'OEUVRES (2)



Ou “primeiras cócegas e mordidelas”, segundo Isabel Allende. Ela acrescenta: “À mesa, representam aquilo que os beijos são para os apaixonados, uma mostra delicada do que virá mais tarde quando a coisa ficar mais íntima. São servidos para acompanhar um coquetel ou uma taça de vinho branco antes de passar à mesa e, em alguns casos, quando a ansiedade de amar é tão grande que não há tempo a perder, podem substituir a comida.”
Hors d’oeuvre é um termo francês usado para designar os “salgadinhos” servidos antes do início da refeição. São as besteirinhas gostosas degustadas com os aperitivos. Tais besteirinhas devem ser levíssimas e intrigantes, já que a intenção é, só e somente só, de “acordar” as papilas, de “cutucar” o palato. São como as frases, salpicadas de malícia, ditas ao pé do ouvido... Benditos sejam os atrevidos! Saiba que sedutores e alguns canalhas inteligentes são especialistas em hors d’oeuvres (depois não diga que não avisei!). Voltando ao que interessa... Para encantar, aposte na simplicidade. As ameixas frívolas (nem imagino o porquê desse nome) são uma receita de Panchita, uma senhora clássica, moderada e prudente, e mãe de Isabel (acredite se quiser). Não tem quem não se derreta com essa delícia. Anote e faça! Providencie 6 ameixas secas sem caroço, ½ xícara de xerez ou vinho branco seco, 1 colher de nozes picadinhas, 1 pitadinha de noz-moscada ralada na hora, 3 fatias finas (finas!) de bacon e palitinhos para coquetel. Deixe as ameixas de molho na bebida por algumas horas, depois escorra e seque-as com papel absorvente. Recheie-as com um pouco de noz temperada com noz-moscada. Corte as fatias de bacon de comprido e envolva as ameixas com as tiras. Leve ao forno alto por dez minutos aproximadamente. Delicie-se!
Bon appétit!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

É QUASE PRIMAVERA, DE NOVO! (1)


E um novo ciclo está prestes a começar.
“Apetite e sexo são os grandes motores da história, preservam e propagam a espécie, provocam guerras e canções, influenciam religiões, lei e arte. Toda criação é um processo ininterrupto de digestão e fertilidade, tudo se reduz a organismos devorando uns aos outros, reproduzindo-se, morrendo, fertilizando a terra e renascendo. Sangue, sêmen, suor, cinza, lágrimas e a incurável imaginação poética da humanidade buscando significado...”
Li e reli tantas vezes... Lavoisier dissera basicamente a mesma coisa, sem a menor graça, sem poesia. Pudera, era um químico; Isabel Allende, uma bruxa. Faz bruxaria com as palavras, com coisas de comer, transforma tudo, preserva o melhor, subtrai aqui, adiciona ali, triplica o prazer... É quase primavera, de novo. E de novo nasce o desejo. Uma vontade doida que vem do nada. Só vontade. Pura. O ar muda, os cheiros mudam. É a natureza no cio, incluindo você e eu. “Gula e luxúria, que tantas loucuras nos fazem cometer, têm a mesma origem: o instinto de sobrevivência.” A primavera faz isso com a gente. Bendita seja! Aguça os apetites, os dois; provoca, seduz. É papel dela. (Re)pare pra ver! Isabel Allende trata um e outro com o mesmo capricho. Associa os molhos a outros fluidos; os hors d’oeuvres às primeiras carícias; compara as sopas, quentes e boas para o estômago, ao aquecimento prévio, imprescindível para o sexo; as entradas são os jogos amorosos, o beijo, os beijos; o prato principal vira o kama-sutra; e a sobremesa, sobre a mesa, coroa um final feliz, o prazer derradeiro, sobre a cama... E como não queremos saltar etapas à mesa (muito menos na cama), é de molho que vamos conversar. Um molho tem que ter aroma delicado e sutil; pode ser quente ou frio; alguns são suaves, outros mais consistentes; mas a qualidade dos ingredientes (que devem ser poucos) e bom-senso na hora de misturá-los é que vai fazer toda a diferença no resultado final. Menos aqui é mais. Quer apostar? Dissolva ½ colherinha de mostarda com ½ xícara de iogurte natural. Junte 1 colher de suco de limão, 1 colher de geleia de damasco e 1 cálice de vodca. Só isso. A combinação pode parecer bizarra, mas fica realmente deliciosa. Experimente com carnes, mas o molho é seu, e a imaginação também...
Bon appétit!