quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

COMIDA RECONFORTANTE


A comidinha caseira foi rebatizada. Agora a comida feita por nossas mães, avós, tias ganhou o nome de comfort food. Pois é, a comida reconfortante, afetiva é aquela que tem o poder de despertar lembranças gustativas, “ligadas à infância ou a qualquer outro período especialmente feliz da história de cada um”. Chefs de grandes restaurantes apostam no sucesso cozinhando antigas receitas de família, aquelas pra matar a saudade de casa, sabe? É a comida que acalenta estômago e alma ao mesmo tempo. É a conhecida panqueca de carne moída, o arroz de forno feito com sobrinhas do almoço e enriquecido com cenouras cozidas picadas e ervilhas, o ovinho caipira frito com gema ao gosto do freguês; quem não se lembra do purê de batatas cremoso e coberto com carne moída no molho de tomate que quase dissolvia na boca? O frango ao molho de açafrão? O picadinho de chuchu, verdíssimo misturado ao cheiro verde reluzindo no fundo da panela de ferro? A banana frita coberta com açúcar e canela de sobremesa? Era de comer até dar preguiça... A comida afetiva é mais que uma culinária farta e sem grandes complicações no preparo, é uma comida envolvente, recheada de emoção, de boas recordações, de carinho, que abraça tanto quem come quanto quem cozinha.
Fui atrás de uma cadernetinha de receitas selecionadas e escritas por minha mãe. O livreto está se desmanchando, pudera, é de 1971. Nele só tem comida afetiva: bolo de cenoura, biscoitos de polvilho, sequilhos de nata, pão-de-ló de laranja, bolo espera marido, enroladinhos de salsicha, pizza de sardinhas, torta pingo de amor, omelete bossa nova, musse de limão, pudim de leite, mangulão... Colado na parte interna da capa da caderneta, um recorte de revista dizia: “Se você comprou carne dura, nada de servi-la assim mesmo e ficar resmungando do açougueiro. Para tudo se dá um jeitinho. Se percebeu isso na hora do tempêro, pingue junto uma gotinha de leite de mamão. Mas, se acabou de colocá-la na panela, o remédio é misturar uma colher (de chá) de fermento para bôlo. Porém, se ela já estiver cozida e nada de amaciar, jogue umas gotinhas de uísque. Ninguém vai ficar bêbado e, em alguns minutos, a carne estará macia. Não é a carne, mas sim a galinha que está dura? É muito fácil: coloque um objeto de prata na panela e deixe cozinhar junto.”
As coisas mudaram... Tempero e bolo perderam o “chapeuzinho”. Muita coisa se perdeu no tempo. Só zelo de mãe nunca é em vão.
Bon appétit.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

UM BOMBOM SÓ PARA ADULTOS


Todo mundo sabe que são os russos e os poloneses que dominam o mercado da mais famosa bebida destilada feita de grãos, ervas, figos ou batatas. Porém, Jean-Sébastien Robicquet, um enólogo francês da região de Bordeaux, vem mudando o curso dessa história. Ele decidiu inovar o tradicional negócio da família aproveitando as uvas cultivadas no terroir de Gaillac, uma pequena cidade milenar no sudoeste da França, para produzir vodca, isso mesmo, uma vodca feita com uvas francesas! Robicquet usou cepas das proximidades de Gaillac e Cognac, cultivadas a 300 metros de altitude e colhidas sempre de madrugada quando as temperaturas estão mais amenas; misturou técnicas seculares desenvolvidas por monges beneditinos com tecnologia de ponta; destilou o “vinho” por cinco vezes e o fermentou a frio. O resultado espetacular ganhou o nome de Cîroc, junção da primeira sílaba de duas palavras francesas, cîme (cume) e roche (rocha) em homenagem à região onde são produzidas uvas nas maiores altitudes. Foi apresentada em uma elegantérrima garrafa que bem poderia ter sido criada por um grande perfumista e hoje está presente nos ambientes mais requintados de mais de 40 países. Ela chegou ao Brasil em 2005, mas eu só a conheci semana passada, no baile de formatura de uma linda amiga, parabéns (e obrigada) Amália! Tenho uma quedinha por vodcas, mas a Cîroc é simplesmente apaixonante! É delicada e suave sem deixar de ser marcante; é perfumada e provocante; é deliciosa... Durante a festa, entre um gole e outro (outros e mais outros, confesso) descobri o que ela me fazia lembrar: um bombom, um inusitado bombom pra gente grande, um bombom que dá alegria e prazer!
A bebida é apresentada em três versões: a snap frost, a coconut e a red berry, garrafa azul, branca e vermelha respectivamente, as cores da bandeira francesa. Cá pra nós, o jeito bem francês, cheio de orgulho de dizer: essa vodca é dos gauleses!
As garrafas que encomendei ainda não chegaram, mas prometo dar sugestões com a bebida depois de fazer alguns (prazerosos) testes. Enquanto isso providencie a sua, desfrute-a purinha mesmo, só com pedrinhas de gelo, prepare umas besteirinhas para comer e divirta-se com amigos que sabem beber.
Santé!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A MALDIÇÃO DO PANETONE



Muita gente afirma, e a frase já virou ditado popular, que o melhor da festa é esperar por ela. Pode ser, pode ser, mas para mim o melhor da festa ainda são as sobras. Não estou pensando nas sobras de comida, pelo menos não só nelas. Refiro-me a tudo o que resta de um encontro festivo; aos pedaços da comemoração gravados na memória; às sobras de conversa fiada, como dizia minha mãe; ao que insiste em ficar suspenso no ar...
Daqui a pouco já é fevereiro e o torpor provocado pela alegria das festas de fim de ano está sendo consumido no caminhar do mês de janeiro... A essa altura aquele enorme peru natalino já foi requentado, recortado, refrito, recozido, reassado, rebatizado; foi desfiado, despedaçado, desossado... Peru desgraçado que lhe custou empurrar goela abaixo! As sobras de comida cansam. Frutas secas, castanhas e nozes também enjoam; bacalhau, camarões e outros bichos do mar estão fazendo você ficar mareado... Agora a gente quer é arroz branquinho, feijão cozido no dia, bife acebolado, um ovinho frito com gema mole pra “sujar” o arroz e salada de tomate, isso mesmo: salada só com tomates, temperados com sal, pimenta-do-reino e uma merreca de azeite. De sobremesa? Banana madura frita coberta com açúcar e um quase nada de canela. Porém, se ainda lhe resta um panetone, acabe logo com ele! Dizem que guardar pão por muito tempo é atraso de vida, melhor não arriscar. Eis um jeitinho muito simples e gostoso de neutralizar o que eu chamo de a maldição do panetone (aprendi a fazer com minha nora): cubra o fundo e as laterais de uma travessa com fatias finas de panetone e regue com um pouco de leite morno. Prepare uma mousse caseira de maracujá (aquela que todo mundo conhece) e jogue por cima. Coloque migalhas do panetone misturadas ao creme e leve à geladeira até endurecer. O maldito panetone e a ordinária mousse ficam incríveis juntos!
Está na hora de começar a pensar nas festas vindouras (é festa que não acaba mais), esperar por elas, se preparar para elas e depois aproveitar o que sobrar delas pelo menos pra brincar de faz-de-conta que esse mundo é uma eterna festa e faire semblant que somos pra lá de felizes!
Bon appétit.