quinta-feira, 29 de setembro de 2011

'RUBICUNDA COR'

Neste vinte e nove de setembro comemorou-se o Rosh Hashaná ou Rosh Hashanah ou Roshe Shana (já vi escrito de tantas formas que não me questiono mais; perdoem a ignorância), que em hebraico quer dizer ‘cabeça do ano’, o ano novo no judaísmo. No início da noite, como manda a tradição, alimentos carregados de simbologia são servidos aos familiares e convivas para acolher o novo período que se inicia... Fatias de maçã banhadas em mel representam um ano doce e ameno; comer a cabeça dos peixes nos predispõe a começar um ano bom com a ‘cabeça’, a parte mais elevada do corpo; a rosca trançada simboliza a união dos povos; e a romã, ahhh a romã... O que dizer desse fruto milenar, encantador que traz, em suas entranhas, fragmentos da história da humanidade? Nativa da Pérsia Antiga (Irã) há mais dois mil anos antes de Cristo, foi levada pelos fenícios para as regiões do Mediterrâneo... A romã aparece nos textos bíblicos e está sempre associada à fertilidade. É o símbolo do amor e da fecundidade para os gregos que consagraram a romãzeira à deusa Afrodite, por acreditarem em seus poderes afrodisíacos. Para os judeus a romã tem um profundo significado religioso. Seria pelo fato de cada romã possuir 613 sementes, o que corresponde ao número exato de provérbios judaicos existentes na Tora? Não sei. O que sei mesmo é que sob uma casca dura e seca, surgem sementinhas brancas cobertas por uma polpa vermelhíssima e brilhante, suculenta e doce. Se isso não for uma criação divina...
E ela chegou até nós através dos portugueses.
“Abre a romã, mostrando a rubicunda cor, com que tu, rubi, teu preço perdes...” Luis Vaz de Camões/ Os Lusíadas. Coisa mais linda! Nossa fruta sagrada realça qualquer prato, doce ou salgado. Experimente em saladas, carne de cordeiro, aves, cuscuz de sêmola de trigo... Eu simplesmente corto-as ao meio, seguro firme a fruta acima da comida que vou servir, bato energicamente na base com uma colher de pau e uma ‘chuva de rubis’ cai sobre tudo, enriquecendo ainda mais o prato.
Bon appétit!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

VIN AIGRE

Ao líquido ácido obtido através da oxidação do etanol encontrado em bebidas alcoólicas, deu-se o nome de vinagre. A palavra ‘vinagre’ vem da palavra francesa ‘vinaigre’ que por sua vez vem da junção de duas outras: vin (vinho) e aigre (ácido). O vinagre comum, de consumo popular é produzido a partir de diversos líquidos com teor alcoólico, como os vinhos, a cidra, as bebidas de arroz... É um processo cuidadoso de fermentação e é certamente um produto presente em quase todas as cozinhas do mundo. Porém, meu xodó é o vinagre balsâmico, que reina absoluto na minha cozinha. O vinagre balsâmico é um produto distinto, singular. As características aromáticas adquiridas durante o processo de elaboração fazem dele, único. Sua história começa na região de Modena, na Itália, onde se produz vinhos com baixa graduação alcoólica, ideais para a produção do vinagre. O vinagre balsâmico nasce da fermentação alcoólica e acética do mosto da uva Trebbiano, cozido em fogo direto até que o volume inicial do mosto seja reduzido a 20 ou 30%. É aqui que a coisa começa a ficar doce... A parafernália para a elaboração do balsâmico é fenomenal e eu pouco sei sobre as etapas da ‘gestação’ desse refinado condimento. Mas sei muito bem o que fazer com ele depois de prontinho, pode apostar! Semana passada, um amigo me presenteou com o tradicional balsâmico de Modena, com aroma de figo, da conceituada Oliviers & Co. Divinamente delicioso! Negro, encorpado, denso, cheiroso, ácido sem passar do ponto, doce como tem que ser e cheio de personalidade (ainda é do balsâmico que estou falando, juro). Provei puro (quando muito envelhecido é consumido sozinho no final da refeição, em uma colher de porcelana, como elixir ou digestivo); com salada verde, com salada de quatro tomates; com frango, com carne de porco; com morangos e como calda para sorvete de creme... Impossível errar com um condimento desses! Nem preciso dizer que o vinagre balsâmico, esse caramelo dos deuses, contém antioxidantes e flavonóides, que nos mantêm jovens e protegidos contra os males do coração. Procure saber mais sobre sua incrível história e apaixone-se! Afinal, tudo indica que apaixonar-se também é um santo remédio... Bon appétit!

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

MIMOS

Minha amiga Gigi foi passear no Canadá. Já voltou e me trouxe um bocado de mimos. Minos que posso comer, claro. Ela me conhece. Ganhei uma pequena coleção de mélanges pour trempettes que são, basicamente, ervas e hortaliças finamente picadas e desidratadas que misturadas com azeite, ou iogurte natural, ou creme de leite fresco batido, ou a uma boa maionese ou com a melhor manteiga que você puder achar, viram cremes espessos e macios, molhos aveludados, cheios de cor e sabor onde podemos mergulhar bastonetes de pepino, de pimentão (evite o verde), ou de cenoura crua; pedacinhos de pão torrado, rodelas de rabanete fresco ou o que você bem quiser... Tudo, assim, levado à boca com as mãos, o que nos permite lamber, discretamente (ou não), os dedos, só pra aumentar o prazer. Por puro prazer... Dedos são pinças naturais. O côncavo da palma da mão vira tigelinha quando necessário for. Mãos falam, fazem, castigam, afagam... Elas podem tudo (ou quase). É o pedaço mais sexy do corpo, pode apostar! Voltemos para os mimos que é de onde meu pensamento não deveria ter saído. No pacote veio também um incenso pra lá de original (mas isso é outra história); e mais uma latinha de sirop d’érable, que em inglês é maple syrup e que depois descobri ser em português, o ‘xarope de bordo’, uma espécie de seiva da árvore do gênero Acer, típica do Canadá. A seiva, extraída das árvores do mesmo jeitinho que o látex é extraído da seringueira, é fervida para que ‘concentre’, antes de ser consumida. No início da primavera canadense, as Cabanes à sucre, que são casas especializadas em receitas com o delicioso sirop, são abertas ao público. Posso imaginar... O xarope de bordo é um produto naturalíssimo, rico e, sobretudo único, pois sua cor e seu sabor variam com o caminhar da estação. Seu gosto doce e suave, ligeiramente defumado, nos remete ao ‘melaço de cana’, porém menos denso, mais dourado e brilhante. Seu uso na culinária é vastíssimo e ele enriquece pratos doces e salgados; ajudam na caramelização de carnes e legumes; com frutas, crepes, bolos e sorvetes fica divino... Já experimentei de um monte de maneiras e até fiz uma manteiga com ele. Vou te ensinar: use 120gr de manteiga (usei a Bridel); bata com um batedor manual para que adquira a consistência de pomada e misture com 2 colheres (sopa) bem cheias de xarope de bordo. Junte um bocadinho de alecrim bem picado e leve à geladeira. Sirva sobre torradas e delicie-se!
Bon appétit!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

INEFÁVEL GOSTO

Não faz muito tempo, um amigo e eu conversávamos sobre a complexidade das palavras. Falamos de palavras fortes, de outras insossas; falamos da graça e também da feiúra de outras tantas... Empacamos em inefável e a conversa rolou solta. Esse adjetivo carrega em cada sílaba uma espécie de força leve, uma intensidade terna. É uma palavra inteira, íntegra e dispensa complementos. Inefável, que quer dizer encantador, inebriante, indizível, é um termo usado para identificar algo de origem divina, sagrada, transcendente; é aquilo que não pode ser expresso em palavras; é o indescritível. E é de pronúncia agradável. Experimente recitá-la algumas vezes! As perguntas não tardariam. O que é inefável pra você? Que gosto é inefável? Perguntou meu amigo. Tive que pensar um bocado antes de responder. Fiquei atônita com a quantidade de ‘coisas inefáveis’ à minha volta... Ora, inefável é o orgasmo e cada um tem o seu; inefável é respirar; parir é inefável; a compaixão também o é; o cheiro de cada um dos filhos, o sorriso aberto de uma criança banguela, banho de chuva, flocos de neve, (re)ver nossos filhos nos filhos deles, tudo isso é inefável; inefável é uma passadinha de mão, discretamente atrevida de um italiano desconhecido e safado; saber, de algum modo, que se tem uma alma é inefável; Deus é misteriosamente inefável; a saudade, nem se fala... A lista é longa, inefavelmente longa, mas vou tentar me limitar ao paladar. Penso no mel de abelhas, nos sabores da minha infância, em miolo de melancia vermelha madurinha, em sorvete de coco queimado, em banana frita, em farofa de ovo... Definitivamente, inefável é a inodora água pura, esse líquido incolor e insípido que nos mantém vivos. Inodora, incolor, insípida, inigualável, insubstituível água. O que lhe é inefável? Enquanto pensa na resposta, prepare ‘gostos’ para sua água para quando receber amigos ou faça quando quiser, afinal, dia especial é hoje, pois acordar também é inefável. Use jarras bonitas que comportem facilmente 1 litro de água mineral. Coloque em cada uma delas ‘sabores’ que surpreenderão os convivas. Mergulhe um ramo rechonchudo de alecrim previamente lavado, em jarra com água gelada e deixe-o ali por algumas horas antes de servir. Use hortelã no lugar do alecrim, se preferir; rodelas de maçã verde com casca, ou morangos lavados e cortados ao meio perfumam divinamente o líquido; lascas de casca de laranja (prefira as orgânicas) dão ainda mais frescor às águas gasosas... Bon appétit!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O BRUNCH FRANCÊS

Embora a renomada e austera Académie Française não engula a palavra inglesa brunch e evite à tout prix seu uso na língua francesa, os franceses são apaixonados pela ideia do brunch, digo, le grand petit déjeuner (o grande café da manhã). No brunch francês- esse delicioso café da manhã tardio ou almocinho antecipado- além de águas gasosas, sucos de frutas frescas, chás e café, dá até pra incluir algumas taças de champagne para brindar esse jeito informal de começar o dia. Entre uma conversa e outra (quase todas em torno do mesmo assunto: co-mi-da) belisca-se de tudo todo o tempo. O buffet montado com croissants, queijos, pain au chocolat, tartines, salmão defumado, omeletes com hortaliças, pães, rabanadas de brioche e a clássica sopa de cebola gratinada, nos faz comer antes com os olhos... O bom do brunch é que não há uma ordem específica para desjejuar. Come-se o que se tem vontade, o que o corpo pede ou o que ele precisa. Come-se porque é bom comer. Come-se. Quem teria parcimônia diante de tamanha volúpia gastronômica?
O brilho de um brunch francês está nas tartines que são fatias grossas de pão rústico, pão integral, pão azedo, ou qualquer outro pão ligeiramente torrado (contanto que seja de qualidade) que servem de leito para uma simples camada de boa manteiga, ou ovos mexidos, ou tomates assados, ou queijos ou o que sua imaginação mandar. As minhas preferidas são bem simples (ando com preguiça das coisas complicadas). Providencie 60gr de queijo gorgonzola, 2 peras cortadas em fatias finas, 2 colheres (sopa) de nozes picadas grosseiramente, pimenta moída na hora e 4 fatias de pão torrado. Espalhe o queijo sobre as torradas e junte as fatias de pera (antes, pingue algumas gotas de limão sobre cada fatia). Enfeite com as nozes e tempere com a pimenta. Minha outra paixão são os tomates assados balsâmicos servidos sobre fatias grossas de baguette fresca. Preaqueça o forno a 180 graus. Corte 12 tomates italianos ao meio e coloque-os em uma assadeira com a parte cortada para cima. Regue com 2 colheres de azeite e 1 de vinagre balsâmico. Rasgue metade de um maço pequeno de manjericão e espalhe por cima com 2 colheres de pinholes, sal e pimenta. Asse por 30 minutos. Sirva sobre o pão e decore com o restante do manjericão. Divirta-se e bon appétit!