Outro dia acordei com saudade dos gostos da minha infância. Mais precisamente do mangulão que minha mãe fazia pra molecada em alguns fins de semana. Mangulão é uma espécie de bolo rústico, um pão deliciosamente grosseiro, um pudim seco e gigante. Dourado e mais que crocante, quase duro, por fora; macio e puxento por dentro. Dizem que é um bolo de queijo que nasceu no nordeste, pode até ser, já que passei um pedaço da minha meninice no interior da Bahia e foi lá que comi mangulão pela primeira vez. Só sei que é daquelas comidas inesquecíveis- pra matar de vez a fome gulosa- preparadas com poucos ingredientes, que todo mundo tem na despensa de casa: polvilho, óleo, ovos, leite... Fui atrás da cadernetinha de receitas que herdei da minha mãe. Lá estava o que ela chamava de “receita”. Era mais um lembrete dos ingredientes com as medidas em xícara ou copo. Nada de gramas ou modo de preparo. E agora? Quem tem intimidade com a cozinha, que se vire! Vou transcrever ipsis litteris o que encontrei nas derradeiras páginas, amareladas e manchadas de óleo, do velho livreto: Mangulão: 4 xícaras de polvilho, 1 xícara de óleo, 2 xícaras de água, 6 ovos, 1 copo de alumínio de leite, 1 pitada de sal. Molha o polvilho com a água e o sal (ponto p/ beiju). Passa na frigideira, amassa com o leite e os ovos. Pronto. Era só o que tinha pra preparar o mangulão. Mas, você sabe, em tempos modernos, quem não tem mais mãe, chora pro Google; e lá fui eu fuçar pra achar um passo a passo mais real do tal bolo. Só encontrei receitas que levam queijo. Testei uma que deu certo. Deu certo, certíssimo, mas nada de matar minha saudade... Fazer o quê, mão de mãe não tem igual. Anote aí: 3 ovos inteiros, 150ml de óleo, 125ml de leite, 250gr de polvilho doce, sal a gosto, 1 colher (sopa) de fermento em pó, 200gr de queijo minas curado ralado. Bata os 5 primeiros ingredientes no liquidificador. Despeje em uma vasilha, junte o fermento e o queijo e misture bem. Verta em forma redonda com furo no meio, untada com óleo. Leve ao forno médio, pré-aquecido, por aproximadamente 40 minutos ou até ficar bem dourado. Sirva quente. Quando esfriar poderá ser aquecido novamente no forno. Lembro-me bem de quase queimar as mucosas, e a casquinha dura espetar o céu da boca; e tudo bem mastigado descia gostosamente com goles mornos de café com leite adoçado. Bon appétit.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
terça-feira, 13 de novembro de 2012
ROENDO AS UNHAS
Agora sim, estou inclinada a crer no fim dos tempos. Antes nada me fizera acreditar no fatídico 21 de dezembro deste ano, até chegar a Goiânia, capital nacional do pequi... Ali se nasce e se cria com o cheiro forte do pequi nas narinas; come-se antes só o arroz amarelinho, tingido e perfumado pela polpa saborosa do fruto; depois se aprende a roer o perigoso caroço espinhento por dentro; lambem-se os dedos; aí sim, estamos perdidos de paixão por esse alimento tão peculiar. Somos goianos. Somos doidinhos por pequi. Má notícia: o pequi anda escasso por aquelas bandas. Os pequizeiros de Goiás não são mais os mesmos. Não é fofoca nem especulação. Antes fosse. Pior: temos culpa no cartório. É castigo, só pode. O fato é que, com o desmatamento (tudo em nome do progresso, claro!), as araras e outros pássaros famintos estão apelando para as flores dos pequizeiros como fonte de alimento. Os goianos estão roendo as unhas. Não por medo de morrer antes de ver os ares de 2013, mas como viver nesse mundo sem pequi? É nossa personalidade e nosso orgulho que estão em jogo. São marcas de infância, de milhares de pessoas, que se apagarão. Tente explicar pra alguém, que jamais provou a polpa carnuda do pequi, seu gosto marcante, singular e viciante. Impossível. Pra saber tem que roer. Roer até amarelar as pontas dos dedos e tingir os dentes. Pescar os últimos caroços no fundo da panela e roer. Roer. E que Deus nos perdoe pela gula e pelo arroto. Faça a Panelinha goiana, pra matar a saudade de Goiás. Use 1 copo e ½ de arroz, óleo para refogar, 150gr de costelinha de porco em pedaços pequenos, 150gr de peito de frango em cubos, 150gr de linguiça caseira picada, 1 espiga de milho verde (retire os grãos do sabugo com faca afiada), 3 colheres de palmito picado, algumas fatias de queijo coalho, alho, cebola, sal, pimenta verde, pimenta de cheiro e cheiro verde a gosto. Refogue as carnes começando pela costelinha até dourar. Retire o excesso de óleo se necessário. Coloque os temperos (menos o cheiro verde) e refogue mais um pouco. Junte o palmito e o milho. Acrescente o arroz e refogue bem. Coloque água até cobrir o arroz e cozinhe em fogo brando. Quando o arroz secar, cubra-o com as fatias de queijo. Decore com rodelas de palmito ou com cheiro verde. Abafe e sirva em seguida. É, sei, nessa receita não tem pequi. Melhor se acostumar, vai que... Bon appétit.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
TEMPERAMENTO ARDIDO
A frase, atribuída à senhora Lispector na página 73 da revista diVino Sabores (Edição 34) , é: “No meu temperamento tem um pouco de pimenta: não é todo mundo que gosta, nem todo mundo que aguenta.” Duvidei. Fui atrás. Achei: “No meu temperamento vai um pouco de pimenta. Não é todo mundo que gosta, não é todo mundo que aguenta.” De Pedro Pondé. E agora? A frase, ordinária e direta, está mais para Pondé que para Clarice. E até poderia ser minha, sua ou de qualquer outro mortal que assuma seu temperamento ardido. São os dissabores da Internet, da informação compacta e rápida, sem fonte límpida. Quem se importa? É o Google engolindo os livros, o micro-ondas tomando o lugar do velho forno caseiro. É a pressa. Ganhar tempo é a meta. Não ter tempo é chique. Tê-lo é quase vergonhoso. Será que dá pra fazer poupança de tempo? Ganhar agora e já, pra gastar depois, quando se estiver gagá? Corrida insana... Isso não é pra mim. Bora falar de pimenta que é mais a minha cara. Saiba que a pimenta é o segundo tempero mais usado no mundo (o sal é o primeiro). Mas a história da pimenta-do-reino é particularmente especial. Natural da Índia, esse grãozinho redondo e ardido tem três variações comercializadas: a preta, a branca e a verde. Para se ter a pimenta verde, os cachinhos devem ser colhidos antes do amadurecimento total e os grãos são colocados em salmoura, em vinagre ou em azeite, para conservar seu frescor, e são sempre utilizados inteiros nos preparos. Herbácea, ácida, fresca e picante, a pimenta verde é um show de tempero! Aqui vai uma receita clássica da cozinha francesa: o Steak au Poivre (Medalhão de filé com Pimenta verde). Bom demais quando bem feito. Para 2 pessoas: tempere 2 medalhões com um pouco de sal e pimenta preta moída na hora. Numa frigideira de fundo grosso, aqueça 1 colher de manteiga e 1 de azeite e sele os filés dos dois lados. Reserve a carne coberta com papel alumínio. Na mesma frigideira, coloque 3 colheres de manteiga e 3 de azeite, 1 cebola picada, ½ cenoura picadinha, 1 dente de alho amassado e 1 tomate maduro sem pele cortado em cubos. Refogue bem. Junte 1 colher de pimenta verde e pressione-as com o dorso de uma colher. Mexa. Retire do fogo e coloque ½ xícara de vinho tinto seco. Misture bem. Volte ao fogo (baixo) até o álcool evaporar. Enquanto isso dissolva 1 colher rasa de amido de milho em uma xícara de caldo de carne e verta na panela. Ferva até reduzir à metade. Coloque os filés, mais 1 colher de pimenta verde e cozinhe por alguns minutos. Sirva os filés sem os legumes (tomate, cenoura...), só com o molho e as pimentas. Bon appétit.
Assinar:
Postagens (Atom)