quarta-feira, 28 de maio de 2014
EM DIAS DIFÍCEIS
E
as horas não passam, a melhora vem a passinhos tão miúdos... Têm dias tão
difíceis, aqueles quando a doença assola, que o corpo todo doído só quer calma,
cama, cafuné e canja. Feliz daquele que tem com quem contar. Feliz daquele que
tem quem lhe prepare a comida restauradora. Pois, “Cozinhar é o mais privado e
arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte
tempero ou veneno. Cozinhar não é serviço. Cozinhar é um modo de amar os
outros.” É o destempero do corpo que aniquila o apetite, e gente sem apetite é
gente doente. Pior que isso é ver gente pequena inapetente, criança mirradinha,
caída; sem bochechas rosadas, sem dobrinhas pelo corpo que, por lei divina, tem
que ser roliço... Foram dias difíceis, sem apetites, o de fome e o de vida. Aí
se entende e o que se ouve dos mais vividos: “Pra ser feliz, minha filha, basta
ter saúde. O resto não tem pressa”. É. Entendi. Aprendi. É que não se dá muita
bola pra saúde enquanto a doença não amola. Amolar também é afiar e afiar é
melhorar o fio, e isso é bom. Então adoecer deve ter seu lado bom (dizem por aí
que tudo tem seu lado bom, mas tenho cá algumas dúvidas), pelo menos um tem que
ter. E tem, alguns: a doença aproxima ainda mais as pessoas que se gostam. A
doença cutuca a humildade adormecida. Ela nos faz aceitar naturalmente a caridade. A
bendita doença nos obriga a nos entregar aos cuidados do outro. O “eu me basto”
perde as forças e o “eu me entrego” acende a confiança. Isso é humano, é bom. E
tem mais: na doença tem leitinho queimado com canela, tem sopa quente tomada na cama macia e cheirosa; tem cafuné, meia no pé; dá pra
fazer um pouco de manha, chorar um bocadinho que lá vem mais café e carinho... E no
final, agradeça àqueles que te voltaram pro eixo. A gratidão também cura, cura
um bocado das mazelas da vida. Cozinhe para eles! Agora é a sua vez de verter
na comida, o amor recebido. Saúde! Bon appétit!
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