Foi assim, num vapt-vupt que li “Meditando na cozinha” da Sonia Hirsch. Era pra ser meditação, não deu... Tinha era fome de letra, vontade de palavra e fui engolindo tudinho, feito papa de arroz quentinha... A Sonia junta- em panela de pedra, claro!- água, cebola (que é por onde se começa a fazer uma comida boa), alho e sal; paciência, sutileza, cenoura e cereal; folhas mil e até gengibre se preciso for; e vai mexendo, misturando, o fogo mudando tudo; abusa do alho-poró, manda ver no inhame que é gostoso e ainda cura um bocado de males; colore e engrossa o caldo com a abóbora doce e macia, cobre tudo com cebolinha verde picada e pronto. Cozinha rabanetes inteirinhos nas sopas até ficarem cor-de-rosa, pro balé doce-picante ser perfeito na boca do freguês... Um prazer supremo! Põe berinjelas no forno pra assar até a casquinha fazer “puf” e ensina a preparar o babaganuche, essa receita tradicional no oriente médio, que é mesmo de babar!! Fala dos cinco sabores, o doce, o salgado, o ácido e o picante, com tamanha delicadeza que até o amargo faz salivar, antecipando o prazer que não tardará... Trata os alimentos com tanta reverência e paixão que ler suas receitas mais parece uma reza, mas no lugar do terço, é a faca a protagonista: abre, corta, descasca, pica miudinho e fica pronta a comida, ora prece ora ação... E ainda prepara uma marinada pra banhar o peixe que vai servir para os amigos: 5 colheres (sopa) de shoyo, 5 de óleo de gergelim, 5 de água, 1 colher (sopa) de sumo de gengibre ralado e espremido; e o meio quilo de filés de linguado, lavados e escorridos, ficam aí, mergulhados por meia hora, no mesmo pirex que vai ao fogo, tampado, sobre uma chapa. Depois de ferver não mais que 10 minutinhos, é só servir e aproveitar. Dos deuses!
Ai Sonia, como é que você consegue atrelar sentidos, emoções e comidas com tanto zelo, simplicidade e beleza? Essa sua “percepção apurada da vida e da alimentação” nos deixa pra lá de felizes, perplexos... Um sentimento de gratidão brota assim, do fundo do coração! E a vida fica temperada. Dá gosto saborear cada momento. Cozinhar vira arte, religião (no melhor sentido da palavra), meditação, descoberta, autoconhecimento, transformação, alegria...
E que ninguém venha me dizer que hoje não tem receita por aqui...
Bon appétit!