terça-feira, 24 de janeiro de 2012
SANGUE, OSSOS & MANTEIGA
Quando li: “Prosa suculenta, o best-seller Sangue, Ossos & Manteiga revela uma chef de cozinha tão hábil com as palavras quanto com as caçarolas”, já gostei. O artigo, deliciosamente escrito por Mario Mendes na Veja de 23 de novembro de 2011 começa assim: “Esqueça os chefs-vedetes, como Gordon Ramsay e Alain Ducasse. Esqueça também os chefs-cientistas, à moda do catalão Ferran Adrià. Porém, considere o chef ‘gente como a gente’...” Aí surtei de vez. Queria o livro e queria saber tudo sobre sua autora, Gabrielle Hamilton, a chef-proprietária do restaurante Prune (Ameixa, em francês) em NY. Não me dei sossego até comprar o livro. Aí queria mesmo era me isolar, devorar página por página e saciar minha fome de intimidade com a moça. Não deu. Li a história da chef aos poucos, aos bocados, como se faz com a farinha vertida sobre o caldo fervente pra se obter um pirão denso e homogêneo. O livro é um relato fiel (ou quase) de suas experiências de acordo com suas lembranças. Gabrielle dividiu o livro em três partes. Na primeira, Sangue, é a menina e sua origem, filha de um cenógrafo americano e uma ex-bailarina francesa, que nos encanta. A segunda parte, Ossos, é literalmente a parte mais dura (mas não menos bela) de sua trajetória às voltas com a cozinha. A garotinha nascida na área rural da Pensilvânia torna-se uma adolescente destemperada, desorientada, tentando a todo custo dar sentido à sua vida ‘osso duro de roer’. A última parte, Manteiga, é deleite puro. Aqui o leitor, cozinheiro ou não, vai se derreter por uma Gabrielle madura, consciente dos caminhos traçados e daqueles não traçados, apenas vividos. Uma mulher simples e saborosa, como seus pratos devem ser, que se sente “confortável no andar de cima e no andar de baixo”. O que dizer diante de tanto talento e tamanha ousadia pra encarar essa "porra de vida"? (como diria a chef relutante e desbocada). Só me resta fazer um brinde. Um brinde pra aquecer a alma e acender o apetite. E vai ser com um dos preferidos da moça: o Negroni, um aperitivo italiano feito com partes iguais de Campari amargo, Vermute doce e um Gim floral sobre pedrinhas de gelo e uma fatia de laranja madura. É o equilíbrio entre o doce e o amargo. São assim as coisas da vida. Bom, pelo menos deveriam ser. Bon appétit.
POR PURA VINGANÇA
E lá fomos nós dois, no meio da tarde, cada um com a listinha do que faltava em punho, direto pro melhor mercado da cidade: escalopes de filet mignon, presunto de Parma (uma fatia por escalope), sálvia fresca, vinho branco seco, manteiga; farinha de trigo, sal e pimenta-do-reino do moinho sempre tem em casa; bavette ou espaguete seco de grano duro, bacon em cubinhos, ovos, creme de leite fresco, parmesão ralado na hora. Na outra lista: papaia madurinho, sorvete de creme, flores, guardanapos de papel e mais duas ou três coisas que não me lembro mais. Um casal falante e cheio de histórias, que dividiria a mesa conosco, encarregou-se de trazer a bebida... O plano começava a tomar forma, a encorpar. Em casa a mesa posta comme il faut; na cozinha o arsenal de panelas, facas, pegadores cumpriam seu papel. E dois cozinheiros vingadores a postos começam a execução do plano... Lavei dois pés de alface, talos de erva-doce, tomates maduros (era só o que queríamos pra salada). Fizemos um molho suave pra não camuflar a doçura e o perfume da erva-doce (azeite, gotas de limão, uma merreca de mostarda de Dijon com mel, sal e pimenta). Acrescentei sumac às folhas já secas e reservei o molho na geladeira. A Salada Buenos Aires estava pronta. Depois, cada escalope foi espetado com uma fatia de presunto de Parma e uma folha de sálvia em uma das superfícies- nada de sal- e cobertos por uma nuvenzinha de farinha de trigo dos dois lados, antes de serem fritos em manteiga quente. O ‘grude’ da frigideira foi deglaçado com vinho branco pra recuperar o suco denso e saboroso da carne. Pronto para nosso Saltimboca alla romana. Enquanto isso, a massa nadava em água fervente salgada e amolecia devagar pra depois ser escorrida e jogada em outra frigideira com os cubinhos de bacon já fritos, gordurosos e brilhantes, antes de receber seu manto amarelo e denso feito com as gemas, o creme de leite, o parmesão e nada de sal. Nossa Bavette alla carbonara quente, untuosa e cheirosa já podia ser servida. Foram porções generosas. Era nossa fome de vingança servida em abundância. Perfeita! Na noite anterior, comemos mal e pagamos caro, caro porque comemos mal. Combinação desastrosa. Nosso paladar estava vingado. Pronto. Mais tarde bati sorvete de creme com mamão, servi, reguei com licor de cassis. Já não era mais vingança, era prazer mesmo... Vingança é um prato que se come quente, bem quente, pensei. Passei o dia envolvida com comida e terminei a noite lendo Sangue, Ossos & Manteiga, mas isso é outra história. Bon appétit.
sábado, 14 de janeiro de 2012
SOB O SOL DA TOSCANA
O bom das férias é poder reservar alguns dias, antes de recomeçar a trabalhar, para o delicioso far niente. E o melhor de não ter nada pra fazer é que qualquer coisa serve, tudo se encaixa na preguiça: assistir ‘vale a pena ver de novo’, ler gibi velho, desentulhar gavetas, olhar fotos antigas, andar de chinelos na feira, fazer uma lista de coisas urgentes e deixar tudo pra depois, ler um livro já lido e esquecido, rever um filme que você adorou mas já nem se lembra dos detalhes emocionantes da história... Sob o sol da Toscana é um desses deliciosos filmes que podem ser vistos um bocado de vezes e ainda assim, toca de novo. Trata-se de uma história, quase ingênua, sobre decepções, recomeço, desejos, alegrias e a falta delas, entusiasmo, amizade, afeto, coragem, ‘sinais’ e até sobre fé. São Lourenço, que também é padroeiro dos cozinheiros, está sempre por ali, rondando e mantendo as chamas da vida e das grelhas- símbolo do seu martírio- sempre acesas... A Toscana é uma das regiões mais férteis da Itália. Foi a garra do seu povo que a transformou e hoje cultiva-se de tudo por lá. Mas a cozinha toscana permaneceu despretensiosa. É a comida simples que encanta. Muitos dos pratos típicos evocam a ‘cozinha pobre’, a época das vacas magras, os dias difíceis quando a comida tinha que ser feita com imaginação e criatividade. Especiarias como o tomilho, o alecrim, a sálvia, o estragão e o imbatível manjericão conservam e perfumam tudo. O tomate e a alcachofra alimentam, enquanto o alho dá sabor aos pratos e cura o corpo. Cogumelos e peixes do mar reforçam deliciosamente a refeição. E os vinhos toscanos regam corpo e alma... Ando cansada de exageros. A sofisticação me aborrece. Inspirada pelo jeito toscano de viver, fui pra cozinha assar tomates. O bacana dessa receita é fazer com tomatinhos maduros, com cabinho e tudo, se possível ainda na penca. Coloque os tomates em uma assadeira pequena com alguns dentes de alho sem descascar. Regue, sem miséria, com azeite de oliva. Salpique sal grosso e a especiaria de sua preferência. Acrescente 2 ou 3 colheres de vinagre balsâmico e leve ao forno quente até os tomatinhos começarem a ‘explodir’. Retire. Belisque o alho pra fazer um purezinho e espalhe sobre uma fatia de pão pra comer com os tomates. Bon appétit!
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