Meu amigo chegou, sem programação prévia, no meio da tarde com uma sacolinha de chás, um monte deles, deliciosamente cheirosos; na outra mão, um filme que ele baixou da internet (atire a primeira pedra quem nunca o fez ou ficou tentado em fazê-lo- melhor pular essa parte) e uma caixinha de bombons caseiros, aqueles que escondem um morango, uma uva ou um pedaço de abacaxi doce no miolinho.
O filme era Des hommes et des dieux (Homens e deuses), uma história emocionante que trata com grandeza da nossa pequenez diante do assombro da vida crua, fria, sem temperos, sem cheiros... Enquanto isso uma torta de maçãs dourava lentamente no forno e perfumava a casa toda... O filme começa assim: “Eu disse: ‘vocês são deuses; todos vocês são filhos do Altíssimo Deus. Porém morrerão como os homens comuns morrem; a vida de vocês acabará como a de qualquer príncipe’. Vem, ó Deus, e governa o mundo, pois todas as nações são tuas.” (Salmo 82)
O jeito foi aprumar-se no sofá. Sentimos que seríamos golpeados pela história... E fomos! Fizemos, claro, algumas pausas para a degustação dos chás com fatias da torta ainda morna e para digerir pedaços do filme... E a tarde se foi assim, fatiada, saboreada aos poucos... Sobre a mesa, quase nenhuma sobra, só migalhas da torta, xícaras tingidas pelo colorido dos chás, outras de café, uma pequena família de abelhas que vieram sei lá de onde; duas Bíblias abertas no Livro dos Salmos, A descoberta do mundo de madame Lispector e Sopa escaldante de Lucinda Personna...
Ainda tínhamos fome, mas agora era de “sal”. Preparei um penne ao molho de mostarda com estragão e uma polentinha de manjericão roxo (não se trata aqui de combinação de pratos, e sim de fome e de comer o que se tem). E não é que ficou bom?!
Falamos sobre “coincidências”. Concluímos que elas realmente não existem e mais: Deus é um cara danado de esperto pra dizer as coisas... Mandou até abelhas pra confraternizar com dois malucos. Amém, digo, bon appétit (pra não perder o costume).
P.S.: Já ia me esquecendo: fala-se francês e árabe no filme, mas as legendas eram em inglês; conversávamos em português... Isso não é quase uma Babel moderna? E ainda tem gente que acha que deveria existir uma única língua universal. Deus nos defenda! O que seria do encanto, da magia da diversidade?