quinta-feira, 14 de julho de 2011

SÓ PARA 'ESCLARICER'

"Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu."- Amor à terra/ C.L.- Pois é. Costumo rechear alguns de meus escritos com palavras boas de Clarice Lispector. Se sou leitora de Clarice? Acho que não. Sou ‘escutadora’ de Clarice, pois tenho um amigo que sempre a lê para mim. Ele, sim, é leitor de Clarice e a lê com entusiasmo, sem egoísmo, em voz alta e clara, com ternura enquanto eu, eu preguiço. Quer maior prova de amizade?
Meu amigo é muito mais jovem que eu. E sempre o será. Isso é bom ou é cruel? Repare, a vida é cruel. Mas Clarice sabia achar também beleza e encantamento na crueldade (vou tentar fazer o mesmo)... Admirava o verde das florestas, o amarelo dos leões, as manchas das borboletas. Ela também bordava, tomava café com coca-cola para manter-se alerta, fumava quando não podia dormir, fumava quando podia, fumava... Prestava atenção no que lhe contavam os taxistas e outras pessoas simples e sabidas à sua volta. Clarice acreditava em Deus. Isso é bom. Percebia com clareza o que chamamos de vida. Tinha os cinco sentidos, e outros sentidos, tão apurados que via o invisível, tocava o nada, ouvia o silêncio, sentia o cheiro da morte que sempre ronda o que está vivo. Clarice degustava cada momento, fossem eles amargos ou doces. Nada lhe escapava. Quase nada lhe escapou... Quisera todos tivéssemos um leitor de Clarice por perto. Tenho sorte. E meu amigo ainda cozinha para mim. Faz um arroz tão bom que, de acompanhamento, vira prato principal. Será que Clarice gostava de arroz? Vou procurar saber. Por Deus, alguém desgosta de arroz? Eu minguaria sem. O arroz une, agrega, junta, aproxima. O arroz é convivial. É deliciosamente discreto... Incremente-o se quiser, como quiser e o quanto desejar, mas sua essência continuará humilde, serena e pacífica. Isso também é bom. A essência não pode ser mudada... Desfrute de todos os tipos disponíveis no mercado, do integral ao exótico arroz negro; do arroz vermelho que se come antes com os olhos; do arbório e do carnaroli, próprios para a cozinha italiana; do basmati, de aroma e sabor intensos, que nos remete à culinária indiana; do arroz especial para o ‘carreteiro’ de domingo em família e do velho e bom arroz branquinho de todo dia... Benditos sejam os arrozes que aceitam ‘maquilagem e perfume’ diferentes sem macular sua alma! Capriche e seja feliz! Bon appétit.

terça-feira, 5 de julho de 2011

“PAI, COMEÇA O COMEÇO!”

“Quando eu era criança e pegava uma tangerina para descascar, corria para meu pai e pedia: - ‘pai, começa o começo!’. O que eu queria era que ele fizesse o primeiro rasgo na casca, o mais difícil e resistente para as minhas pequenas mãos. Depois, sorridente, ele sempre acabava descascando toda a fruta para mim. Mas, outras vezes, eu mesmo tirava o restante da casca a partir daquele primeiro rasgo providencial que ele havia feito. Meu pai faleceu há muito tempo e há anos (muitos, aliás) não sou mais criança. Mesmo assim, sinto grande desejo de tê-lo ainda ao meu lado para, pelo menos, ‘começar o começo’ de tantas cascas duras que encontro pelo caminho. Hoje, minhas ‘tangerinas’ são outras... Lembro-me, então, que a segurança de ser atendido pelo meu pai quando lhe pedia para ‘começar o começo’ era o que me dava a certeza que conseguiria chegar até ao último pedacinho da casca e saborear a fruta... Quando a vida me parece muito grossa e difícil, como a casca de uma tangerina para minhas mãos frágeis de uma criança, lembro-me de pedir a Deus: ‘Pai, começa o começo!’. Ele não só ‘começa o começo’, como costuma resolver um pouco mais de toda a situação difícil para mim. Não sei que tipo de dificuldade eu e você encontraremos pela frente. Sei apenas que eu irei sempre me garantir no amor eterno de Deus para pedir-Lhe, sempre que for preciso: ‘Pai, começa o começo!’.”
São pedaços de um texto recheado de emoção que minha querida amiga E.T., Regina Velloso, me enviou. Desconhecemos o autor, mas como nos identificamos com ele! Gostei tanto que tenho que passar adiante, feito segredo de receita boa. Quem nunca pediu ao pai, à mãe, a um ente querido, a um amigo do peito pra ‘começar o começo’ de alguma coisa? Quão prazeroso era ter o começo começado! Era a segurança de que tudo daria certo até o fim... Quanto à tangerina começada, de roupa rasgada, seminua, era salivar diante da promessa do gosto. Era o pregosto enchendo a boca de prazer anunciando um gozo maior que não tardaria. Carnuda, doce, suculenta, refrescante, cheirosa e harta, a tangerina é uma fruta cheia de personalidade, inconfundível, espetacular! Seu suco é perfeito para molhos, enriquece saladas de frutas e compõe com delicadeza saladas de hortaliças... Faço, e você também vai adorar fazer, uma combinação de beterrabas cozidas cortadas em meia-lua e gomos de tangerina que acompanha carnes e aves divinamente. Experimente! Monte o prato intercalando a beterraba e os gomos e regue com molho suave à base de azeite, suco de limão siciliano, uma merreca de sal e grãos de pimenta rosa e depois me conte. É uma salada simples, linda e deliciosa. Bon appétit!