Chove chuva, chove sem parar. É água que cai do céu. Complica mais o trânsito que já está um caos. Molha o que sobrou das calçadas da “cidade verde”, sem árvores. Encharca as ruas e ruelas desestruturadas. Faz lama. Tinge os carrinhos e os carrões de marrom. Lambreca tudo. É, está todo mundo na mesma lama... Não dá pra reclamar. É a chuva do caju, dizem uns; é a chuva da manga, dizem outros. É chuva de água, ora, faz bem. Então agora é só esperar? A água da terra molhada será sugada pela planta pra engordar a fruta mirrada. Ela ficará pesada. Envergará o galho. Cairá. E aí a gente sucumbe à tentação. É tentação de todo jeito: pela cor, pelo cheiro, pela memória do sabor... Até a brilhante escritora norte-americana, Elizabeth Bishop, sucumbiu aos encantos do caju, à consistência suculenta dessa fruta intrigante. Foi no início da década de 50, em passagem pelo Rio de Janeiro pra visitar uma amiga. A poetisa deliciou-se com a fruta que lhe provocou uma alergia danada, impedindo-a de seguir viagem. Ficou quinze anos no Brasil, evidentemente, não foi só por conta da fruta nem da alergia, mas isso é outra- bela- história da qual vale a pena inteirar-se, acredite. Agora é a vez do caju. Essa receita deliciosa leva uma crosta de castanha de caju que faz toda a diferença no assado. Anote: 1 costela de porco, 1/3 de xícara de chá de castanha de caju, 4 colheres de sopa de geleia de laranja ou damasco, 1 xícara de chá de vinho branco seco, 2 cebolas roxas, 3 maçãs, 6 dentes de alho, ramos de alecrim, sal e pimenta moída na hora. Preaqueça o forno em 220°. Tire o excesso de gordura da costelinha. Ponha em uma assadeira e tempere com o sal e a pimenta. Soque no pilão, 1 dente de alho com ½ colher (chá) de sal até obter uma pasta. Junte a geleia e misture bem. Espalhe essa mistura sobre a costela. Triture as castanhas de caju até obter uma farinha grossa e salpique sobre a carne. Faça um leito com os ramos de alecrim sob a costela. Leve ao forno por 20 minutos. Enquanto isso, descasque os dentes de alho e as cebolas. Corte as cebolas e as maçãs em 4 partes. Retire a assadeira do forno e reduza-o para 160°. Complete a assadeira com os vegetais e o vinho. Cubra com papel alumínio e volte para o forno por mais ou menos 2 horas. Depois corte as ripas da costelinha e sirva-as com os vegetais. Uma caipirinha de caju cai bem antes da refeição. Bon appétit e tomara que chova mais!
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
NUTRIÇÃO COMPLETA
O que fazer dos nossos “altos e baixos” senão vivê-los um a um? A busca do equilíbrio levou-me a muitos caminhos e, hoje, trouxe-me até aqui. E como forma de agradecimento, vou transcrever trechos de um dos mais agradáveis textos que já li. Ele está na Bíblia da Mulher (um presente da minha filha querida). Nutrição completa é o título. “A descrição de alimentos é encontrada em toda a Bíblia... Como nos dias de Salomão, o mesmo acontece em nossa sociedade altamente estressada: refeições tranquilas auxiliam tanto na digestão quanto na boa disposição. Talvez o meio mais eficiente para criar um ambiente de paz e de graça às refeições seja habituar-se a convidar Deus para estar presente. Oferecer uma oração de ação de graças junto com a família antes de começar a comer gera uma atitude de gratidão e paz... Até mesmo quando comemos sozinhas, a hora da refeição pode ser um momento de descanso, de reflexão sobre as bênçãos de Deus ou de apreciação de um belo cenário. As mulheres têm particularmente sido associadas à alimentação... Por exemplo, a “mulher virtuosa” ou “mulher forte” dispõe-se a despender um grande esforço para alimentar sua família... Não existe momento mais bonito para alimentar a família e qualquer outra pessoa do que as refeições comuns do dia-a-dia, que proporcionam sustento físico e nutrição espiritual. Irmão Lourenço, um monge da ordem dos Carmelitas descalços e humildes do século XVII, verbalizou a oportunidade especial de servir, na hora da refeição, na seguinte oração: “Senhor de todas as caçarolas, panelas e coisas..., torna-me santo preparando refeições e lavando pratos! O período de trabalho, para mim, não difere do período de oração, e no ruído e estrépito de minha cozinha... eu me aproprio de Deus com tanta tranquilidade como se estivesse de joelhos para receber o santo sacramento.”” Você sabia que o “livro” de culinária mais antigo data de 4.000 anos? São três tabletes cerâmicos. Ali consta uma receita de cozido: Pegue um pouco de carne. Prepare água, ponha gordura, depois acrescente... alho-poró e alho, tudo bem triturado junto e um pouco de shuhutinnu (provavelmente cebola). Um dos tabletes tem vinte e cinco receitas: quatro pratos vegetarianos e vinte e um pratos com carnes (veado, gazela, carneiro, pombos...).
Bon appétit!
Bon appétit!
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
BICHO CURIOSO
Ganhei um livro da Roberta Malta Saldanha, quero dizer, escrito por ela, presente da minha nora. A Roberta começou sua carreira na Editora Abril, fez um percurso pra lá de proveitoso até descobrir sua paixão pela gastronomia, quando foi convidada a por o “Boa Mesa”, ou melhor, a meter a mão na massa e a planejar tintin por tintin esse primeiro grande evento gastronômico do Brasil. E mais: pesquisou e elaborou o Dicionário tradutor de gastronomia em seis línguas, lançado em 2007. O livro que ganhei é sobre curiosidades gastronômicas, coisa que sempre me dá água na boca. Gosto de história. As verdades e as lendas (que também são verdades de outro jeito) que envolvem as comidas, essas são minhas favoritas. Quem faz a apresentação da obra é outro escritor e pesquisador da história da culinária, Breno Lerner. É daquelas apresentações de aguçar os apetites: “A curiosidade matou o gato, diz o antigo refrão, mas impulsionou o homem a buscar novas fronteiras. Toda história humana passa, em algum momento, pela cozinha, e este bicho curioso, o homem, a todo momento a fuçar e procurar novos ingredientes e temperos, acabou por dar a volta ao mundo, descobrir novas terras e novos continentes, guerrear por um punhado de pimenta ou invadir um país por uma plantação de chá.” Mal comecei a ler o livro e cá estou eu, cutucando outro bicho curioso... Fiquei sabendo que o frango capão, famoso por sua carne delicada e saborosa, só existe, hoje, graças a Caio Cânio, um cônsul romano, dorminhoco, nascido em 19 a.C. Irritado com a barrulheira dos galos na madrugada, o referido cônsul (que devia ser um bon-vivant), conseguiu que o senado aprovasse uma lei proibindo a presença das aves na cidade. Os criadores dos bichos, logo acharam um “jeitinho romano” pra burlar a lei e resolver o caso sem prejuízos e záz, castraram os coitados dos galos. Era sabido que a ave castrada parava de cantar, mas a surpresa veio logo depois: os pobrezinhos começaram a comer compulsivamente (e lhes restavam outros prazeres?) e engordaram muito. O frango capão pode pesar até 2,5kg com sete meses e quando abatido, é uma das mais deliciosas carnes. E a gente aqui comendo frango de granja... Bon appétit se o seu for um capão criado caladinho, mas solto, soltinho, pelo menos isso.
terça-feira, 11 de setembro de 2012
MAS QUE CALOR ÔÔÔ ÔÔÔ
Calma aí, não vou falar do calor infernal de Cuiabá que é de cozinhar os miolos: miolo de gente, de bicho, de fruta... Mas parece que daqui não saio, daqui ninguém me tira, então é aqui que me derreto, calada. Assunto encerrado. Vou é falar de desejo de frescor. Ultimamente ando com vontade de almoçar sorvete, merendar sorvete, jantar sorvete. Pode até parecer coisa simples, já que a iguaria não está escassa na cidade. Mas, o que eu quero, vraiment, são os sorvetes Berthillon, sentatinha à beira do rio Seine, você sabe onde (mas não vou contar com quem). Minha vontade pode parecer esnobe, mas não me julgue antes de lamber um, chupar alguns ou comer um Berthillon- os franceses usam o verbo manger (comer) para sorvetes, gosto disso (pelo menos é melhor que ‘tomar’, que lembra remédio). A propósito, a parte ‘sentatinha à beira do rio Seine’ é esnobismo mesmo, mas complementa o prazer, então faz parte do meu desejo; é a moldura do meu quadro. A Maison Berthillon foi fundada em 1954, bem no coração da Île de la Cité, em Paris. Desde então os sorvetes e os sorbets (sorvete à base de água) são fabricados artesanalmente e servidos pela própria família. São, sei lá, uns 70 sabores e pelo menos 30 estão no menu do dia, o que beira o consumo de mil litros de sorvete diariamente. Berthillon está entre os dez melhores glaciers do mundo e não é à toa: na composição da base das delícias só entra produto natural, de primeiríssima qualidade (leite, nata, ovos, água mineral...), nada de conservantes, corantes, acidulantes e outras porcariantes... Inteirar-se da saga dos Berthillon é tão tentador quanto saborear o que eu considero uma das melhores invenções do homem sobre a terra. Quando degusto um Berthillon, rezo e agradeço a Deus minha visão preguiçosa, meu olfato apurado, meu tato intacto, meu paladar aguçado e até minha audição lerda quando ouço o crac da casquinha doce... Há mais de meio século, a especialidade da casa é o sorbet de morangos silvestres. Minha perdição, porém, é o sorvete de baunilha. Mas é agora e já que você quer uma receita geladinha, certo? Lá vai: Bata no processador 500ml de iogurte grego com 250gr de qualquer fruta vermelha (morangos, amoras, framboesas... O importante é que estejam congeladas!) e mel a gosto (2 colheres de sopa devem bastar). Leve ao freezer por algumas horas. Não é nenhum Berthillon, mas é de lamber os beiços, os dedos, a tigela. Bon appétit!
terça-feira, 4 de setembro de 2012
ESTOU TENDO UM CASO
Estou tendo um caso. Não um caso de amor, nem um caso de paixão, muito menos uma daquelas lunáticas aventuras secretas. Estou tendo um caso de admiração. Pois é, admirar é experimentar um sentimento de prazer, de espanto, de surpresa diante do que é belo, do que é bom, do que bem feito. Meu caso de admiração é com Elizabeth Bard, uma jornalista americana- e uma cozinheira- de mão cheia que mora em Paris. A moça já escreveu sobre um bocado de coisas e dizem que o suflê de chocolate que ela faz beira o pecado original, de tão bom que é. Em Almoço em Paris, uma simpática história de amor recheada com receitas délicieuses, Bard mergulha no, digamos, misterioso mundo francês e nos revela, com perspicácia, sensibilidade e extremo bom-humor suas memórias e suas impressões sobre esse país e seu povo, à la fois egoísta e solidário, arrogante e fraterno... A escritora acha que as centenas de queijos produzidos em solo gaulês são a expressão máxima do caráter francês: “Pode haver um exterior duro, cascudo, até mesmo fedorento. Você decide se quer cortá-lo para atingir o coração denso, derretido (às vezes picante).” E que comparação bem temperada! Almoço em Paris é um livro encantador. Quer saber, qualquer almocinho em Paris pode ser encantador e virar seu mundinho de pernas pro ar- sem trocadilho, mas entenda como quiser e se puder, almoce por lá. São 380 páginas que a gente devora, lambendo os dedos, sem pestanejar. Difícil foi escolher uma receita pra compartilhar aqui... Mais francês que um purê de batatas, só mesmo outro purê: Purée de Céleri (Purê de Batata e Aipo), esse beira o orgasmo, garanto. São 750g de batatas e a mesma medida de aipo descascados e cortados em cubos, 2 ou 3 colheres (sopa) de manteiga, sal e pimenta do moinho. Encha uma panela com água fria e um pouco de sal. Coloque as batatas e deixe ferver. Junte o aipo e continue fervendo até que ambos fiquem tenros. Escorra e amasse tudo em fogo bem brando. Tente obter uma consistência grossa, pois trata-se de um purê rústico e alguns pedaços mal amassados são bem-vindos. Adicione manteiga, sal e pimenta. Sirva em seguida ou coloque num prato para gratinar, nesse caso, adicione mais manteiga (que se danem as artérias) e um punhado de queijo Gruyère ralado. Bon appétit.
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