quarta-feira, 31 de maio de 2017

O SUFICIENTE

Quem me conhece sabe que eu funciono como um trem: um vagão puxa o outro, uma conversa puxa outra e é aí que começa a viajação. Então vamos lá. Um dia desses, li na timeline de um amigo que ele havia sonhado com o pai, já falecido, e que o tal sonho fizera lembrar-se de uma frase que seu velho costumava dizer: “Nunca abaixe a cabeça nem levante o nariz, olho no olho já é o suficiente.” E é claro que eu não podia deixar de compartilhar tamanha sabedoria. Porém, foi o ‘suficiente’ que ficou ali, martelando meus pensamentos... o suficiente, o suficiente...
Fui atrás de um texto que li faz tempo, cujo título é Desejo o suficiente para você, de autoria desconhecida. Trata-se da despedida calorosa entre mãe e filha, presenciada por um estranho, em um aeroporto qualquer. Segue um pedacinho: -“Quando estavam se despedindo, ouvi a senhora dizer Desejo o suficiente para você. Posso saber o que isso significa?” –“É um desejo que tem sido passado de geração para geração em minha família. Meus pais costumavam dizer isso para todo mundo... Quando dissemos Desejo o suficiente para você, estávamos desejando uma vida cheia de coisas boas o suficiente para que a pessoa se ampare nelas...”  
Na cozinha, dizemos ‘o quanto baste’ quando não precisamos a quantidade do ingrediente na receita. O quanto baste é o suficiente! Nem mais, nem menos; é a perfeição do equilíbrio; é o bom senso alcançado; é pura delicadeza; é o tempero na medida justa, justa com todos os temperos... A vida se explica também e tão bem na cozinha! Quer saber, a partir de hoje, quando me perguntarem sobre as proporções em uma receita, ah, já estou com a resposta na ponta da língua, afiada como cutelo de açougueiro.
Aproveite a ladainha pra fazer uma Masala indiana, deliciosa e terapêutica, para temperar seus pratos: use cúrcuma, pimenta caiena, canela em pó, gengibre em pó, páprica doce ou picante (ou as duas), cardamomo, grãos de coentro ligeiramente tostados, cravo-da-índia, sal... As medidas, você já sabe! Saúde!
Bon appétit.


segunda-feira, 22 de maio de 2017

SOBRE AMANTES & SABORES



Há muito, muito tempo não escrevo. Não que esteja desiludida com as palavras ou com as comidas do mundo, que são meus temas preferidos; nem é por falta de tempo, que desculpa mais esfarrapada e feia não há; também não é por escassez de assunto ... É que ando meio calada mesmo, das falas faladas e das falas escritas. Há poucos dias deparei-me com uma postagem no FB, cujo título era: Quem é o seu amante? Abri. Era um texto de Jorge Bucay que começa assim: “Muitas pessoas têm um amante e outras gostariam de ter um. Há também as que não têm, e as que tinham e perderam.” Geralmente, são essas últimas que vem ao meu consultório... Elas me contam que suas vidas transcorrem de forma monótona... Enfim, são várias as maneiras que elas encontram para dizer que estão simplesmente perdendo a esperança. Antes de me contarem tudo isto, elas já haviam visitado outros consultórios, onde receberam as condolências de um diagnóstico firme: ‘Depressão’, além da inevitável receita do anti-depressivo do momento. Assim, após escutá-las atentamente... digo-lhes que precisam de um AMANTE! ... Amante é aquilo que nos ‘apaixona’, é o que toma conta do nosso pensamento antes de pegarmos no sono, é também aquilo que, às vezes, nos impede de dormir... é aquilo que nos mantém distraídos em relação ao que acontece à nossa volta. É o que nos mostra o sentido e a motivação da vida... Às vezes encontramos o nosso ‘amante’ em nosso parceiro... alguém que não é nosso parceiro, mas que nos desperta as maiores paixões e sensações incríveis. Também podemos encontrá-lo na pesquisa científica ou na literatura, na música, na política, no esporte, no trabalho, na necessidade de transcender espiritualmente, na boa mesa, no estudo... Enfim, é ‘alguém’ ou ‘algo’ que nos faz ‘namorar a vida’ e nos afasta do triste destino de ‘ir levando’!... Por favor, não se contente com o ‘ir levando’, procure um amante... “ Entendi. Ando muda porque tenho um amante. Estou de namoro com a vida! É um amante complexo e simples ao mesmo tempo, verdadeiro, ético, humano, muito rico e belo... Refiro-me ao mais antigo “sistema de saúde e longevidade na tradição milenar da Índia”: o Ayurveda, que tem como um dos pilares, a Alimentação, ou seja, tudo aquilo que absorvemos através dos cinco sentidos. Cá estou eu, de novo, envolvida com a boa comida e seu poder de nos restaurar e nos elevar... Há alguns meses, já inscrita em um curso, quando soube que a comida exercia um papel muito importante no Ayurveda, arregalei os olhos, meu coração se expandiu, pensei: é aqui que vou ter as respostas para muitas das minhas indagações... Comecei a estudar para aprender mais sobre comidas, o uso das especiarias e suas funções terapêuticas, mas confesso que continuo por um monte de outras boas razões (mas isso é outra história). Ensinaram-me que uma refeição perfeita deve ter os seis sabores: o doce, o salgado, o ácido, o picante, o adstringente e o amargo, e que podemos equilibrar nosso organismo, aumentando nosso poder de digestão através do emprego adequado de cada um deles. É aqui que entram as especiarias com seus poderes “mágicos” de transformação e cura, além de encherem nossos pratos de cores e gostos diversos! Eu, que já tinha uma tendência a fazer algumas “bruxarias” na cozinha, agora estou mais atrevida, tenho aval! E posso afirmar, sem titubear, a cozinha é o útero da casa! Saúde!
Bon appétit!