sábado, 1 de agosto de 2009

O ESCRITOR REALISTA & O CHEF SURREAL



“O escritor novo, moderninho, todo bossa nova, em busca de uma nova maneira de enviar sua mensagem ao leitor, o escritor cheio daquela doença atual de querer complicar o óbvio, sentou às margens de sua máquina de escrever disposto a iniciar um romance que iria revolucionar a técnica literária e o estilo do romance no Brasil. Colocou um papel branquinho na máquina e respirou profundamente. Sentia-se que o escritor novo estava às margens da criação genial... O escritor novo que buscava a suprema originalidade olhou com ar superior para o papel branco a sua frente e começou a escrever: "João atravessou o relvado em direção a Maria, que corria para ele, de braços abertos. Enlaçou-a e disse...". Aí o escritor novo parou um instante para pensar. Não lhe vinha de imediato a frase certa... Acendeu um cigarro e ficou pensando um pouquinho. Resolveu não forçar a barra. A inspiração teria que vir espontânea... Depois voltou à máquina, releu o que escrevera mas não sentiu — mais uma vez — as palavras brotarem em sua mente para chegar ao papel. O escritor foi até o banheiro, molhou um pouco a fronte com água fria e voltou para sua cadeira. Releu o que escrevera: "João atravessou o relvado em direção a Maria, que corria para ele, de braços abertos. Enlaçou-a e disse...". Aí o escritor parara, sem achar a expressão certa, mas naquele momento ela lhe aflorava no cérebro, felizmente. E o escritor novo, moderninho e preocupado em ser diferente sorriu, para depois escrever: — Eu te amo.” (Stanislaw Ponte Preta)
A tal “doença de querer complicar o óbvio” já está com um pé na cozinha (os dois talvez). "Atire a primeira faca" quem nunca comeu uma porcaria assinada por um desses chefs modernos, cheios de nove horas, arrogantes, estressados, marrentos mesmo que transformam tudo em mousses insossas, mas salgam sem dó nem piedade a conta do infeliz comensal que nem faz ideia do que acabou de engolir (na verdade a coisa lhe desceu goela abaixo sem esforço algum... tadinho, era uma espuma de champignons). Pratos são rebatizados senão não atravessam as portas da cozinha contemporânea... Nascem o carpaccio de berinjela (aliás tem carpaccio de tudo o que lhe passar pela cabeça), o caviar de qualquer coisa que tenha sementinhas redondas e macias (o caviar nacional, feito do babento quiabo já fez os franceses babarem tanto quanto), o sorvete salgado e muitas outras esquisitices que certamente nossas avós não reconheceriam como comida. Nada contra os (bons) chefs que inventam pra quebrar a rotina, pra surpreender nossas papilas. Só queria dizer que surpresas desagradáveis também existem e são igualmente marcantes. Comida tem que dar prazer, simples! Cozinhar é antes de tudo um ato de amor (nisso não dá pra mexer, senão azeda), seguido de ingredientes de primeira e um pouco de técnica. É alquimia pura, bruxaria das boas... Você não tem que engolir o mau-humor de chefs à beira de um ataque de nervos... Haverá sempre uma pizzaria de algum italiano barulhento, alegre e debochado perto de você... Nesse caso, buon appetito!

2 comentários:

  1. Dona Elma a senhora tem razão!!! viva a boa comida!!! abaixo a palhaçada na cozinha!!!

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  2. ... e o pior é que nos deparamos com "palhaçada" sem a menor graça, longe dos adoráveis palhaços de verdade. Obrigada Juliano. Um abraço.

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