Uma mudança radical de comportamento, quase um milagre coletivo, está acontecendo em Cuiabá, onde os leigos da gastronomia, para a maioria dos quais o fato de ler uma receita e preparar uma simples refeição cotidiana sempre foi uma tarefa quase tão complicada quanto ler uma partitura musical, estão se aproximando do fogão e pegando intimidade com a cozinha.
Por trás da nova tendência estão alguns personagens que até bem pouco tempo só se ouvia falar que fossem famosos em países como a França e a Itália, onde o homem, do mais simples ao mais graduado no mundo profissional, chega do trabalho, substitui o paletó pelo avental e foge para a cozinha.
Em alguns países da Europa o espaço da cozinha é como um palco de teatro, onde o homem até briga com a mulher para mostrar seus dotes culinários. Todo mundo é cuoco, e o prazer de ir à casa de amigos preparar uma refeição magistral e simples ao mesmo tempo é um hobby antigo que nunca caiu de moda.
Ao contrário do que acontece no centro do Brasil, em que maitres e garçons ganham a vida como personal chef, de carona numa moda que se espalhou pelo país seguindo uma tendência de mercado, na capital de Mato Grosso tem professores e empresários de sucesso que, nas horas de folga, se divertem ensinando às pessoas a arte de cozinhar. Com eles se aprende a fazer de cada refeição, por mais cotidiana, uma experiência gastronômica marcante.
É bem isso que acontece com Elma Rios, uma das mais bem conceituadas e competentes professoras de língua francesa do Brasil, com 30 anos de experiência. Ela já morou em Paris e fala o idioma melhor do que os próprios franceses, ao ponto de muitos deles não acreditarem que seja brasileira.
Elma Rios todo ano viaja para a França e pelo mundo afora. Nessas suas idas e vindas, foi testemunha de que a França era uma referência na gastronomia e acabou se apaixonando. A profissão de professora ajudou. De um relacionamento com a chef Eliane Carvalho, sua ex-aluna que atualmente tem um restaurante em São Paulo, Elma se viu incentivada a conhecer melhor os princípios da culinária. Hoje ela é uma especialista, e sem perder de vista o ensino de idioma virou colunista de gastronomia e até criou um blog que, pelo fluxo de visitantes, está “fervendo” na internet: o gosto pelo gosto.
“Cozinhar para amigos é o prazer mais genuíno que existe, uma verdadeira terapia. Alimentar-se é uma coisa, compartilhar uma refeição é outra, a felicidade é uma sequência de boas horas. A comida pode ser simples, mas, com a marca registrada da pessoa que faz, cada momento se torna único e memorável. Preparar uma refeição e condividi-la com amigos faz parte do bom-viver. Eu gosto de pensar que ao cozinhar e escrever minhas crônicas gastronômicas estou ajudando o mundo a ser tornar um pouco mais doce”.
Para esta cozinheira a domicílio, todo mundo deveria saber preparar pelo menos um risoto para receber os amigos em casa. “Na cozinha as pessoas se transformam, se surpreendem e são surpreendidas, melhoram a convivência”. Mas ela destaca que a devoção no preparo de uma refeição passa necessariamente pela fuga ao modismo, que tende a transformar os alimentos em mousse.
“Nos dias de hoje os preços da comida aumentaram muito e a a quantidade das refeições oferecidas nos restaurantes diminuiu. Os pratos são servidos como uma obra de arte, que a gente tem até medo de tocar. Por isso, atualmente, a cozinha tem que fazer parte do conhecimento geral das pessoas, e é o que tem acontecido. As pessoas querem não só ter um chef que às vezes venha à casa delas preparar uma refeição, mas também querem participar do ato de cozinhar. É um novo conhecimento que se expande”.
Fugir dos modismos e das criações absurdas, conforme explicações dela, é preferir ingredientes de qualidade e voltar para uma cozinha mais tradicional. “Uma boa frase para a culinária hoje é que você tem que respeitar a natureza dos alimentos e casá-los entre si, para que tudo fique harmonioso. Você pode esquecer o que comeu, mas seu corpo não esquece”.
Nos sonhos da professora Elma tem um que ela pretende realizar em breve, que é abrir um bistrôt , com a oferta de comida farta e de qualidade. “Mas gosto muito de cozinhar a domicílio e fazer toda a refeição na tonalidade preferida pela pessoa, como o rosa, por exemplo, e tudo estritamente com ingredientes naturais”.
Luiz Perlato/Redação Folha do Estado/Suplemento/4 de julho de 2010 Cuiabá-MT