segunda-feira, 12 de julho de 2010

FELIZ POR VOCÊ. FELIZ COM VOCÊ.



Papel e caneta em mãos... Vou poder escrever sobre o que mais gosto: meu gosto pelo gosto. Transformar alimentos em verdadeira explosão de prazer... Vai ser mamão com mel! Doce engano... Como é difícil escrever sobre comida em um escritório! Decidi então me plantar à mesa da cozinha e deixar as ideias marinarem... Descobri em seguida que transcrever sentimentos gastronômicos pode ser mais penoso que desossar um boi! Resolvi então, neste nosso primeiro “encontro”, contar como descobri aos poucos que adorava cozinhar...

E foi assim como tudo começou. Cá estamos nós, meu querido, há oitenta e sete semanas juntos. Tivemos que nos adequar um ao outro, é bem verdade, e confesso que nem sempre foi um mar de rosas, mas chegava sexta-feira e nós outra vez alimentados, fortalecidos, apaixonados. Assunto nunca nos faltou (falei de abobrinhas e até abobrinhas). Você cumpre com primor o seu papel, tem sido meu divã e se eu conseguir, através de você, tocar alguns corações, aguçar alguns apetites, aí sim, terei cumprido o meu.
Parabéns! São trezentas edições recheadas de fatos e fotos, saciando a sede de informação, a fome de cultura e de diversão. Estou feliz por você. Sou feliz com você.
Bon appétit (seja ele qual for).
(Elma Rios para a edição de nº 300 do Jornal CircuitoMatoGrosso)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ELMA RIOS POR LUIZ PERLATO


Uma mudança radical de comportamento, quase um milagre coletivo, está acontecendo em Cuiabá, onde os leigos da gastronomia, para a maioria dos quais o fato de ler uma receita e preparar uma simples refeição cotidiana sempre foi uma tarefa quase tão complicada quanto ler uma partitura musical, estão se aproximando do fogão e pegando intimidade com a cozinha.
Por trás da nova tendência estão alguns personagens que até bem pouco tempo só se ouvia falar que fossem famosos em países como a França e a Itália, onde o homem, do mais simples ao mais graduado no mundo profissional, chega do trabalho, substitui o paletó pelo avental e foge para a cozinha.
Em alguns países da Europa o espaço da cozinha é como um palco de teatro, onde o homem até briga com a mulher para mostrar seus dotes culinários. Todo mundo é cuoco, e o prazer de ir à casa de amigos preparar uma refeição magistral e simples ao mesmo tempo é um hobby antigo que nunca caiu de moda.
Ao contrário do que acontece no centro do Brasil, em que maitres e garçons ganham a vida como personal chef, de carona numa moda que se espalhou pelo país seguindo uma tendência de mercado, na capital de Mato Grosso tem professores e empresários de sucesso que, nas horas de folga, se divertem ensinando às pessoas a arte de cozinhar. Com eles se aprende a fazer de cada refeição, por mais cotidiana, uma experiência gastronômica marcante.
É bem isso que acontece com Elma Rios, uma das mais bem conceituadas e competentes professoras de língua francesa do Brasil, com 30 anos de experiência. Ela já morou em Paris e fala o idioma melhor do que os próprios franceses, ao ponto de muitos deles não acreditarem que seja brasileira.
Elma Rios todo ano viaja para a França e pelo mundo afora. Nessas suas idas e vindas, foi testemunha de que a França era uma referência na gastronomia e acabou se apaixonando. A profissão de professora ajudou. De um relacionamento com a chef Eliane Carvalho, sua ex-aluna que atualmente tem um restaurante em São Paulo, Elma se viu incentivada a conhecer melhor os princípios da culinária. Hoje ela é uma especialista, e sem perder de vista o ensino de idioma virou colunista de gastronomia e até criou um blog que, pelo fluxo de visitantes, está “fervendo” na internet: o gosto pelo gosto.
“Cozinhar para amigos é o prazer mais genuíno que existe, uma verdadeira terapia. Alimentar-se é uma coisa, compartilhar uma refeição é outra, a felicidade é uma sequência de boas horas. A comida pode ser simples, mas, com a marca registrada da pessoa que faz, cada momento se torna único e memorável. Preparar uma refeição e condividi-la com amigos faz parte do bom-viver. Eu gosto de pensar que ao cozinhar e escrever minhas crônicas gastronômicas estou ajudando o mundo a ser tornar um pouco mais doce”.
Para esta cozinheira a domicílio, todo mundo deveria saber preparar pelo menos um risoto para receber os amigos em casa. “Na cozinha as pessoas se transformam, se surpreendem e são surpreendidas, melhoram a convivência”. Mas ela destaca que a devoção no preparo de uma refeição passa necessariamente pela fuga ao modismo, que tende a transformar os alimentos em mousse.
“Nos dias de hoje os preços da comida aumentaram muito e a a quantidade das refeições oferecidas nos restaurantes diminuiu. Os pratos são servidos como uma obra de arte, que a gente tem até medo de tocar. Por isso, atualmente, a cozinha tem que fazer parte do conhecimento geral das pessoas, e é o que tem acontecido. As pessoas querem não só ter um chef que às vezes venha à casa delas preparar uma refeição, mas também querem participar do ato de cozinhar. É um novo conhecimento que se expande”.
Fugir dos modismos e das criações absurdas, conforme explicações dela, é preferir ingredientes de qualidade e voltar para uma cozinha mais tradicional. “Uma boa frase para a culinária hoje é que você tem que respeitar a natureza dos alimentos e casá-los entre si, para que tudo fique harmonioso. Você pode esquecer o que comeu, mas seu corpo não esquece”.
Nos sonhos da professora Elma tem um que ela pretende realizar em breve, que é abrir um bistrôt , com a oferta de comida farta e de qualidade. “Mas gosto muito de cozinhar a domicílio e fazer toda a refeição na tonalidade preferida pela pessoa, como o rosa, por exemplo, e tudo estritamente com ingredientes naturais”.
Luiz Perlato/Redação Folha do Estado/Suplemento/4 de julho de 2010 Cuiabá-MT

ESPANHA GOELA ABAIXO



A paella é um utensílio de cozinha derivado da patella (uma espécie de bandeja usada pelos romanos em rituais de fecundação da terra), utilizado pelos camponeses espanhóis do século 16 para preparar refeições. Os camponeses levavam apenas azeite, carnes (geralmente de caça), vagem, ervilhas frescas, arroz, sal, açafrão e água. Cozinhavam tudo e comiam ali mesmo nos campos, ao ar livre. Só bem mais tarde o tomate e o frango vão entrar no preparo para dar mais cor e sabor ao cozido. A paella valenciana é uma espécie de frigideira, de ferro ou de aço, de fundo plano, daí o nome do prato. E como tudo é uma questão de tempo, outros ingredientes foram se juntando ao preparo e fazendo da paella um prato misto, de carnes e frutos do mar, requintado e relativamente trabalhoso, mas extremamente saboroso, colorido e fartamente perfumado pelo açafrão. Há outra versão, mais romântica, para a origem do nome do prato. Dizem que os camponeses, após longos períodos no campo, chegavam saudosos de suas mulheres e preparavam esse delicioso cozido, nutritivo e afrodisíaco “para ella” com a intenção de você já sabe qual. Verdade ou mentira, o que importa? O fato é que esse prato mágico, desde o preparo até a degustação, encanta todo mundo e enche a gente de prazer.
A paella é prato único, geralmente servido em ocasiões especiais; um prato farto a ser compartilhado entre amigos que apreciam a boa mesa; se degustado ao ar livre, melhor ainda. A paella é por si só uma grande festa. Uma deliciosa homenagem ao homem do campo, aos presentes da natureza. Leia mais sobre esse prato. Estude-o. Desvende os segredinhos da paella tradicional, da paella espanhola, da paella valenciana. Chame alguns amigos curiosos, escolham ingredientes de qualidade superior e aventurem-se na confecção de uma delas. Vai ser no mínimo, divertido. Quer saber? Tem até uma paella cuiabana, sem frutos do mar, claro, mas muito original no sabor, feita com carnes, peixes da região e decorada com fatias de banana-da-terra fritas. Deliciosa!
Bon appétit.



PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DA COPA



Frango lembra goleiro desatento... Laranja lembra você sabe quem... Então lá vai: pra ninguém dizer que não falei da Copa, melhor encarar os fatos e ver o lado bom das coisas (tem que ter um). Não lamentemos por esses milionários do mundo futebolístico; convide os amigos pra uma refeição, prepare um delicioso Frango ao molho de suco de laranja e bola pra frente, que do jeito que os ponteiros correm, 2014 vai chegar num piscar de olhos e o mundo vai girar, de novo, em torno de uma bola.
Frango, pato e outras aves ficam simplesmente divinos com suco de laranja. Existem centenas de versões desse molho. O suco da laranja combina com vinho branco seco, gengibre, mel, mostarda forte, cebola, pimenta-do-reino moída na hora e mais um bocado de coisas... Fazer um molho requer bom senso, equilíbrio na dosagem de cada ingrediente e atenção, só isso. Um bom molho enriquece a refeição; é envolvente, abre o apetite e suaviza carnes de sabor muito acentuado.
Doure pedaços de frango temperados com limão, sal e pimenta do reino em uma frigideira com um pouco de óleo e manteiga. Retire os pedaços e na mesma frigideira refogue uma cebola roxa picada; regue com um cálice de vinho branco seco para que todo o “suco do frango” se despregue da frigideira e deixe evaporar um pouco. Junte um copo generoso de suco de laranja natural, gengibre ralado e deixe ferver. Experimente! É assim que se acerta o molho, experimentando e ajustando os ingredientes ao gosto do freguês... Ácido demais? Junte uma colherinha de mel. Doce demais? Um pouquinho mais de sal e raspas de noz-moscada resolvem. Ralo demais? Retire um pouco de líquido da frigideira, junte uma colherinha de amido de milho, dissolva bem, misture de novo ao molho, deixe ferver sem parar de mexer com o fouet e pronto. Reserve sempre um pouco de suco para o caso de o molho ficar muito espesso. Um molho perfeito deve ser brilhante, homogêneo, aromático e suave. Ele foi feito para acompanhar a carne e não para camuflá-la. É um casamento bem sucedido (pelo menos na cozinha ainda há esperança). Tudo isso me lembra Isabel Allende: “A mão boa para fazer um molho é como a mão boa para fazer uma massagem, atributo valioso e escasso.” Mas isso é outra história. Sirva o molho sobre os pedaços de frango e bon appétit.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

CUIABÁ, SP, PARIS, LONDRES, BERLIM...



Já passava da meia-noite. Mesinha de boteco, espeto de coxinha de asa de frango, arrozinho branco, tomate picadinho no molho de vinagre, mandioca cozida quase derretendo na boca, farofa de... farinha mesmo. Comida perversa. Bebida alcoólica nem pensar, meu amigo ainda estava se recuperando de uma semana em Sampa regada a vinho, saquê e outros líquidos desidratantes, agora só coca-cola mesmo pra botar as coisas no eixo, e nada de zero, light, diet, que de porcaria o corpo já anda saturado. Papo vai, papo vem, diário de viagem falado, esmiuçado, como se viver sem narrar o vivido fosse viver pela metade. Contar é viver o fato de novo só pra oferecer um pedaço: escuta só, experimenta aí um pedaço do que aconteceu comigo! Pronto, a prosa estava em dia; era o passado recente passado a limpo. E o assunto descambou pra o que poderia ser degustado nas próximas viagens. Meu jovem amigo que se sente inteiramente à vontade em SP, Paris, Londres, Berlim (e mais um bocado de lugares bacanas) sem nunquinha ter comungado com essas três últimas capitais, me veio com uma frase à la Lispector: “Elma, meu espírito parece velho, velho assim de vivência, sabe? Mas como?! Se ainda não vivi??”. A essa altura não dava pra filosofar a respeito, a digestão começava a ser feita, o cansaço batia, argumentar sobre o que poderia ser um déjà-vu de vivência era demais pra mim. Respondi com uma gargalhada, daquelas que ficam guardadas no fundo do peito, e ficou por isso mesmo. Pagamos a conta, aliás, ele pagou (justiça seja feita). Saímos. Mas antes de nos despedirmos ele me preveniu: “Vê se não vai se empolgar e sair escrevendo tudo o que a gente conversou aqui.” Como não, querido amigo, se vivo aproveitando os ganchos pra documentar pedaços de vida? Melhor não me ameaçar ou conto o resto, que de resto, não tem nada. Obrigada por mais uma boa hora vivida juntos e aprenda a fazer o Franguinho tonto de que você tanto gosta.
Tire a pele de 6 sobrecoxas desossadas; tempere com o suco de 1 limão e ½ pacote de creme de cebola; enrole uma fatia de bacon em cada pedaço, coloque em uma assadeira, distribua pétalas de cebola roxa entre os pedaços e um punhado de manjerona ou alecrim por cima; cubra com vinho branco seco ou cerveja mesmo e leve ao forno até dourar. Coma com arroz integral e cenoura raladinha pra diminuir a culpa. Bon appétit.