terça-feira, 31 de maio de 2011

TANTA LIDA PRA POUCA VIDA

E a falta de tempo agora é moda. É chique não ter tempo e vergonhoso tê-lo. Estou perdida... “Infinito/ é o tempo de que preciso/ para cada coisa que faço/ são dez horas da manhã/ lavo/ com fé religiosa/ dois maços de alface/ a dimensão da atividade/ é pequena/ mas/ enquanto desfaço/ os rosários de bactérias/ dá tempo de pensar na vida/ dá tempo de pensar na morte/ e ainda muito mais/ ai daqueles que não pensam na vida/ ai daqueles que não pensam na morte/ ai daqueles que não pensam em nada.” (Dois maços de alface/ Lucinda N. Persona)
Ai de mim, infinito é o tempo de que preciso pra cozinhar, pra comer, pra pensar, pra escrever, pra sonhar... Infinito é o tempo de que preciso. São 15h50 de uma terça-feira. Aproveito uma pausa no trabalho. Paro para pensar na frase que ouvi de uma amiga e que me martela a cachola : “Pra que tanta lida pra pouca vida?” E lá se foi mais um bocado de minutos, de horas... E lá se vão dias, semanas... E passarão os anos. Infinito é o tempo de que precisamos. Infinito é o tempo que queremos. Em vão. Melhor mesmo é incrementar o presente e fazer do tempo, implacável e quase cruel, um aliado fiel.
Hoje é dia de enrolar na cozinha só pra gastar o tempo. Vou complicar porque quero, porque tenho tempo. Poderia comer as folhas de alface cruas, mas vou cozinhá-las como se fazia autrefois. Vou usar e abusar do tempo. Vou fazer Ervilhas à francesa. Coloco em uma frigideira quente 2 colheres de sopa de manteiga com 1 cebola picada e 1 colher de sopa de farinha de trigo. Deixo dourar um pouquinho. Acrescento 2 ou 3 xícaras de caldo de legumes ou de galinha e misturo bem. Pico folhas de hortelã e junto à mistura. Coloco um punhado de ervilhas congeladas (são melhores e mais nutritivas que as frescas, acredite!) e folhas de alface crespa, lavadas e cortadas em fatias grossas. Deixo cozinhar por 5 minutos aproximadamente. Verifico o tempero. Pingo algumas gotas de limão antes de comer com fatias de pão, ou com frango, ou purinho mesmo como se fosse uma sopa. O verde que resulta é a coisa mais linda e o gosto é fabuloso! Coma bem devagar. Use o tempo. Relaxe. Demore... Afinal, pra que tanta lida pra tão pouca vida? Bon appétit.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A SANTÍSSIMA TRINDADE DOS AROMAS

O nome coentro vem do grego koris que significa “percevejo”, aquele inseto que se prolifera em roupas de cama mal cuidadas. A comparação se deve ao fato de as folhas e as sementes do coentro, quando verdes, possuírem um cheiro semelhante ao produzido pelos indesejáveis bichinhos fedidos. Felizmente, uma vez amadurecidas, as sementes perdem esse odor, detalhe que não acontece com as folhas. Dane-se a semelhança. Eu adoro a erva inteirinha, como tudo. O coentro é parente da suave salsinha, apesar de ter cheiro e gosto inconfundíveis. Originário do sul da Europa e do Oriente Médio, o coentro já foi muito usado como remédio das doenças digestivas e como calmantes. Hoje a deliciosa erva é largamente usada como tempero e faz sucesso em cozinhas do mundo inteiro. A folhinha é tão popular no Oriente Médio que ganhou o apelido de “salsinha árabe”.
O cominho, por sua vez, tem um sabor bem peculiar; seu gosto fica entre o da pimenta e o anis. Os romanos usavam-no como pimenta, já os celtas temperavam seus peixes, e os árabes, como condimento para um monte de pratos. Essa erva de folhas pequenas e verdes, dá flores brancas e rosadas e nasce espontaneamente no Egito até a Índia e nos países banhados pelo mediterrâneo. Experimente-o com peixes, moquecas, carnes e deixe-se levar pela magia de seu sabor sensual e marcante.
A cúrcuma ou açafrão-da-índia ou ainda gengibre amarelo é também chamada de açafrão-da-terra; é “priminha” do gengibre e é a base do tempero indiano que conhecemos como curry. É da sua raiz, seca e moída, que se produz o pó amarelo intenso e brilhante que vai dar cor e calor aos pratos. A cúrcuma dá vida a muitas receitas. É uma coisa linda!
Experimente juntar os três em um mesmo preparo e delicie-se! O Arroz Santíssima Trindade.
Banhe cubos de salmão sem pele com suco de limão e mais as raspas. Coloque em uma forma, regue com um pouco d’água, junte algumas folhas de limão, cubra com papel alumínio e leve ao forno quente. Retire depois de alguns minutos e reserve a água. Cubra o peixe para não ressecar. Em uma panela, coloque manteiga e azeite, cebola picada, sementes de coentro, cominho e cúrcuma e refogue tudo. Junte arroz basmati, cubra com a água do salmão e deixe cozinhar. Depois de cozido, junte os pedaços de salmão. Misture. Decore com ovos cozidos picados. Regue com suco de limão. Salpique coentro fresco picado e sirva generosas porções.
Que nossa comida seja sempre abençoada; que ela nos alimente e nos dê prazer; que seu aroma nos remeta a outros mundos e nos encha de felicidade... Em nome do coentro, do cominho e da cúrcuma, bon appétit!

terça-feira, 24 de maio de 2011

OS OVOS DE ANTONIO BANDERAS

A manhã do dia 24 de maio de 2011 foi, no mínimo, excitante para toda a equipe do programa Mais Você. A mulherada estava rindo à toa. Só o louro José não mostrou os dentes, porque não os tem. A Belinha também não latiu de felicidade, pois quase foi esmagada por sua dona que só parecia ter olhos para o convidado bonitão. O ator espanhol Antonio Banderas veio ao Brasil para lançar sua marca de perfume e aceitou o convite da apresentadora para tomar café e ensinar ao vivo e em cores o preparo de “sua paella” que ele apelidou de “paella californiana”... Sobre a mesa, pãezinhos de queijo, bolo de fubá, café com leite, sucos, pudim e um bocado de outras delícias brasileiras esperavam impacientes pela boca do belo moço. Só não serviram o que, para ele, é imprescindível no café da manhã: ovos fritos. Mas ele não hesitou, foi para o fogão e ensinou a anfitriã a preparar um ovinho frito no azeite, em fogo brando e só salgá-lo sobre o prato. O desjejum estava animado, conversa ia conversa vinha e eu ali, diante da telinha esperando o prometido. Queria ver o Antonio Banderas pôr a mão na massa, pôr a mão em tudo. Fantasiar com sua destreza na cozinha. Nada. Nunca ouvi tanta conversa fiada em tão pouco tempo. Felizmente o cara é simpático, inteligente, simples, bem-humorado e gostoso demais de se olhar... E eu ali, de butuca na TV, esperando a tal paella. Nada. E dá-lhe mais conversa! Cannes, Cristo Redentor, Almodóvar, Cidade maravilhosa, sensualidade, casamento... E nada da paella californiana! E o papo rolava solto, quer dizer, meio solto, já que as amarras dos dois idiomas eram lentamente desfeitas por uma tradutora simultânea que camuflava a voz sensual do jovem cinquentão... De repente, num piscar de olhos, aparece sobre a bancada uma paella prontinha da silva. Não entendi nada. Mas que diabo de paella era aquela?! O homem mexeu a colher umas duas vezes pra lá e pra cá e pronto. Fez dois ou três comentários sobre a origem do prato. Provou. Aprovou a especialidade feita certamente pela cozinheira Maria, o braço direito, o esquerdo e a cabeça da Ana. E eu ali, aguada de vontades. Morta de fome. Mas nem tudo foi perdido. Valeu pelo sorriso maroto e pelos tentadores ovos de Antonio Banderas. Buen apetito!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

SOPA DE ROMÃ

Foi um encontro breve com uma amiga. Ela me abraçou e disse: “Li um livro que é a sua cara.” Acho graça quando as pessoas dizem que tal coisa é a nossa cara. E acabam sendo mesmo. Quase sempre são coisas recheadas de detalhes reveladores que mostram como somos percebidos pelos outros, gostemos ou não.
Em se tratando de livros, logo imaginei que seria sobre comida já que minha amiga me conhece o bastante e sabe da minha gula por leitura gastronômica. “É Sopa de romã. Amanhã passo por aqui e deixo pra você.” O título me encheu de curiosidade e, claro, me deu água na boca. Sabia que ia gostar. Minha amiga gosta das coisas certinhas, não fala pelos cotovelos, cumpre o que promete. No dia seguinte, eu já estava com o livro nas mãos, mas sem dedicatória, fazer o quê, a Daniele é assim mesmo, não gosta de frescuras... Agora estou em dúvida, será que o livro era só emprestado?! Tarde demais querida amiga, ele já está com um bocado de notas que fui obrigada a fazer enquanto lia. Depois te recompenso com um jantarzinho. E obrigada pelo mimo! Sopa de Romã é um delicioso romance, escrito por Marsha Mehran e traduzido por Nina Horta, recheado de receitas que fazem babar qualquer filho de Deus. Na cozinha de uma antiga pâtisserie, em um vilarejo da Irlanda, três irmãs iranianas que fugiram da revolução em seu país criam um “oásis persa”. Em pouco tempo, os mistérios das especiarias usadas nas receitas do Café Babilônia, invadem as narinas e os sentidos dos habitantes. As fragrâncias provocam um efeito mágico e a vida no povoado, até então insossa e destemperada, ganha novos sabores... Uma das receitas me encantou: a sopa de lentilhas cor-de-rosa, “sedutora na fragrância, é tão simples de fazer quanto o nome sugere”. Providencie 2 xícaras de lentilhas secas rosadas, 7 cebolas grandes picadas, 7 dentes de alho amassados, 1 colh. chá de cúrcuma em pó, 4 colh. chá de cominho em pó, azeite de oliva, 7 xícaras de caldo de galinha e 3 de água, sal, pimenta-do-reino moída na hora. Cubra a lentilha com água e ferva por 9 ou 10 minutos. Escorra e reserve. Frite no azeite 6 cebolas, alho, cúrcuma e cominho até dourar. Junte as lentilhas, o caldo, a água, o sal, a pimenta. Ferva. Abaixe o fogo, tampe e cozinhe por 40 minutos. Frite o resto da cebola em azeite até ficar crocante e sirva sobre cada porção. Apaixonante!
Bon appétit!

DE CHORAR DE PRAZER

A vida é no mínimo um assombro. Um dia a gente abraça e chora com a mãe que perdeu seu único filho e percebe a dor da namorada que vê desfeita a esperança de um futuro cheio de graça. Em outro, abraça-se noivos, vivos de corpo e alma, tão cheios de projetos. Há ainda aqueles dias coloridos, com cheiro de filho que volta pra casa, desta vez trazendo mulher e filha e a casa ganha tons, sons e sabores novos, um deleite! E num piscar de olhos, eles se vão de novo e agora é o vazio que enche a casa. Há dias mornos que passam despercebidos, mas há dias surpreendentes, com momentos que nos sacodem e nos fazem acreditar que fizemos algo que valeu a pena... Madame Lispector escreveu: “Ainda bem que sempre existe outro dia. E outros sonhos. E outros risos. E outras pessoas. E outras coisas”. Mulher sabida essa!
Outro troço esquisito é outono-inverno em país tropical. A oscilação entre quente e frio é uma constante, por essas bandas, nesta época do ano. O corpo reage do jeito que pode, revindica comida diferente, reclama. É só prestar atenção pra ver que durante essas estações temos fome de outros alimentos, diferentes daqueles que nos dão prazer e nos refrescam na primavera-verão. O tempo muda, o corpo muda, o apetite muda. Ainda bem que tudo muda! No outono-inverno ficamos mais preguiçosos e queremos mais comida, combinação prazerosa, mas um tanto quanto perigosa. É aqui que entra o bom-senso (coisa que me escapa de vez em quando) para se ter o máximo de prazer e quase nenhum arrependimento. É com minha receita de Sopa de cebolas, de chorar de prazer, que me esbaldo no outono-inverno. Ela me dá energia, calor, resistência, alegria e é muito, muito leve. Experimente!
Conte sempre uma cebola grande por pessoa. Essa dá pra quatro famintos. Anote: 4 cebolas roxas em rodelas, 3 colh. sopa de manteiga e 1 bem cheia de farinha de trigo, 4 xícaras de caldo de carne, 1 colh. café de açúcar mascavo, 4 colh. sopa de queijo gruyère ralado (ou outro de sua preferência) para gratinar, pimenta moída na hora, noz moscada ralada, 4 torradas. Doure a cebola na manteiga com o açúcar. Depois de bem dourada, junte a farinha e mexa bem para cozinhá-la. Coloque o caldo de carne, a pimenta e a noz moscada. Cozinhe sem tampar por 15 minutos. Coloque em cumbuquinhas com uma torrada por cima coberta com o queijo ralado. Leve ao forno quente por alguns minutos e sirva em seguida. Bon appétit!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

DE NAMORICO

Imagine-se estar (na verdade você sempre foi) loucamente apaixonada por um “cara” que todo mundo adora, sobretudo as mulheres. Mas te apresentaram o “primo” dele e você resolveu dar uma chance para o desconhecido só pra ver no que ia dar. Ele não é muito atraente, mas você é curiosa, curiosa demais pra resistir à tentação. A proposta foi no mínimo intrigante. O novo quase sempre é intrigante... É assim que ando há alguns dias. E de namorico com um completo estranho... Já ouvi dizer que se aprende a gostar, que o amor vem com a convivência. Será?! Quer saber, não custa tentar, afinal, estamos aqui para experimentar, apreciar (ou não), decidir, compartilhar. É o que vou fazer agora, contar tim-tim por tim-tim o desenrolar dessa saborosa história.
Foi em uma boutique de comidas naturais e produtos orgânicos que tudo começou. Conversa vai conversa vem, eu já estava quase de saída quando a atendente me apresentou Alfarroba como o substituto do chocolate. Li na embalagem: sem açúcar, sem lactose, sem glúten, sem cafeína. Pensei: e com certeza, sem gosto e sem graça! Mas comprei. Primeira mordidela um tanto quanto sem graça como havia imaginado. Porém um suave gostinho (de ainda não sabia o quê) aguçava minhas papilas. Então, sem julgamentos prévios, deixei-me levar pelo desconhecido. Morder era meu único trabalho. E aos poucos, na medida em que cada quadradinho da massa marrom misturava-se à minha saliva, um creme macio e saboroso como o chocolate, de cheiro ligeiramente defumado, me enchia de prazer. Sou pisciana, é pela boca que sou fisgada, rendi-me. Fui conquistada pelo charme discreto e irresistível do surpreendente fruto. Queria saber mais sobre ele. Estava apaixonada. A alfarroba é uma vagem de 30cm, marrom quando madura e vem de uma árvore das regiões mediterrâneas. Ela é usada como alimento desde a antiguidade; tem polpa macia, adocicada e é muito nutritiva. E pasmem: foram seus grãos uniformes e de peso constante que deram origem à unidade de medida utilizada pelos joalheiros, o quilate. Na França é chamada de caroube, que vem da palavra árabe kharrub que quer dizer “fava”. É também conhecida por pain de Saint Jean (pão de São João), pois, segundo a lenda, João-Batista alimentou-se com grãos de alfarroba e mel durante sua travessia do deserto. Ainda não fiz nenhuma receita com alfarroba, mas sei que a primeira vai ser uma mousse. Depois conto tudo. Bon appétit!