quarta-feira, 18 de agosto de 2010

EM MINHAS FANTASIAS



“É que tenho um fascínio enorme pelas panelas, pelo fogo, pelos temperos e por toda a bruxaria que acontece nas cozinhas, para a produção das coisas que são boas para o corpo. Não é só uma questão de sobrevivência. Os cozinheiros dos meus sonhos não se parecem com especialistas em dietética. Interessa-me mais o prazer que aparece no rosto curioso e sorridente de alguém que tira a tampa da panela, para ver o que está lá dentro. Minhas cozinhas, em minhas fantasias, nada têm a ver com estas de hoje, modernas, madeira sem a memória dos cortes passados e das coisas que se derramaram, tudo movido a botão, forno de micro-ondas, adeus aos jogos eróticos preliminares de espiar, cheirar, beliscar, provar, perfurar... Tudo rápido, tudo prático, tudo funcional. Imaginei que quem assim trata a cozinha, no amor deve ser semelhante aos galos e galinhas, quanto mais depressa melhor, há coisas mais importantes a se fazer... Quero voltar à cozinha lenta, erótica, lugar onde a química está mais próxima da vida e do prazer, cozinha velha, quem sabe com alguns picumãs pendurados no teto, testemunhos de que até mesmo as aranhas se sentem bem ali... Eu diria que a cozinha é o útero da casa: lugar onde a vida cresce e o prazer acontece, quente... Tudo provoca o corpo e sentidos adormecidos acordam. São os cheiros de fumaça, de gordura queimada, do pão de queijo que cresce no forno, dos temperos que transubstanciam os gostos, profundos dentro do nariz e do cérebro, até o lugar onde mora a alma.... Cozinha: ali se aprende a vida. É como uma escola em que o corpo, obrigado a comer para sobreviver, acaba por descobrir que o prazer vem de contrabando. A pura utilidade alimentar, coisa boa para a saúde, pela magia da culinária, se torna arte, brinquedo, fruição, alegria. Cozinha, lugar dos risos... Cozinheiro: bruxo, sedutor. “-Vamos, prove, veja como está bom...”
São pedacinhos de Aprendendo das cozinheiras do delicioso Rubem Alves. O que dizer, meu Deus, depois de tanto amor oferecido, servido, derramado? Só resta me lambuzar com suas palavras, devorar letra por letra... Ah Rubem, pelo menos na cozinha, somos farinha do mesmo saco. E em minhas fantasias, é com você que cozinho.
Bon appétit!

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