segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O GLUTÃO




Glutão é um animal voraz, parecido com um urso pequeno, que não se cansa de comer. Devora tudo o que lhe aparece pela frente: peles de animais, pedaços de couro, carne dos roedores... Porém, na falta destes, o glutão não mede esforços para atacar animais de grande porte e saciar momentaneamente uma fome implacável. É um bicho considerado esperto e tem a reputação de roubar as presas das armadilhas, para o desespero dos caçadores. O homem glutão é muito, muito parecido com ele. É o guloso, o comilão. O glutão come e não percebe o sabor do que comeu. Não sentiu o cheiro. Não se atentou à sutileza dos prazeres atrelados ao ato de comer. Não apreciou. Engoliu sem observar. Aí está a diferença entre o glutão e o gourmet. Este último desfruta, saboreia, dá tempo ao paladar, come com os olhos, aprecia, homenageia, res-pei-ta; o glutão só devora, engole sem fome, bebe sem sede, sem moderação; menospreza o alimento e ofende o cozinheiro caprichoso.
Sei que de médico, glutão e louco, todos nós temos um pouco; e de glutão, Deus me ajude, quero ter quase nada. Os ingleses é que estão certos ao afirmarem que “o glutão cava seu túmulo com os dentes” e do outro lado do Canal da Mancha, Victor Hugo ensinou que a “indigestão é uma criação de Deus para impor uma certa moralidade ao estômago.” Amém.
Nunca escrevera antes sobre o glutão, até me deparar com um, disfarçado de gourmet; foi um desprazer do início ao fim. Aguentei firme. Rezei baixinho. Pergunto-me até hoje o que me fez ficar ali durante tanto tempo. Ainda não sei ao certo e, talvez, nunca saberei... Sou educada mas ando com preguiça das pessoas, com preguiça de discutir, de jogar conversa fora.
Receita de comida, hoje aqui não vai ter. É o jejum do corpo pra tornar a alma mais leve. Vou saborear minha fome e me poupar do desgaste de ter que digerir comidas e insultos. Fome também tem gosto. O glutão, coitado, nunca saberá.

4 comentários:

  1. Um grand merci mon cher ami: )
    Saudades... Gros bisous

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  2. Elma, completa a sua descrição da figura desagradável do glutão e ainda, linda a sua honestidade em reconhecer o quanto dele deve haver em cada um de nós... afinal a vida deve também nos ensinar a comer: a sentir (todos os transdutores ligados), a morder, mastigar, sentir de novo, engolir (incorporar). Bem lembrado também que não é com a boca que sempre se come e também não é nela que reside o prazer do que se come. Continue rezando baixinho e ouvindo a gourmande, que não se cansa de descobrir e explorar tudo de bom que lhe atravessa o caminho e não se desanima com eventuais tropeços. Bonne Chance!

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  3. Affff Jao... Toda vez que te leio, choro. : (
    Que será isso???
    Je t'adore... Un grand merci pour tes mots : )

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