sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

SEM RECEITA


“primeiro lenta e precisamente arranca-se a pele/ esse limite da matéria/ mas a das asas melhor deixar pois se agarra à carne como se ainda fosse voar/ as coxas soltas/ soltas e firmes devem ser abertas e abertas vão estar/ e o peito nu com sua carne branca nem lembrar a aproximação do coração/ esse não/ quem pode saber como se tempera um coração?/ limpa-se as vísceras/ reserva-se os miúdos pra acompanhar/ escolhe-se as ervas/ espalha-se o sal/ acende-se o fogo/ marca-se o tempo/ e por fim de recheio/ a inocente maçã que tão doce úmida e eleita/ nos tirou do paraíso/ e nos fez assim/ sem receita.” (Canção de Alice Ruiz e Zé Miguel Wisnik)
E mais um ano se inicia. Um novo Ano Novo sem receita, feito você e eu e todo mundo. Quais serão os temperos dos dias vindouros? Que gosto terão as noites de sábado, as tardes de domingo? Sem falar nas manhãs das tantas segundas. Quantas horas doces alegrarão nosso apetite voraz? Quantas outras, amargas, salgadas demais, teremos que engolir? E valha-me Deus, o que faremos com aquelas insossas, sem perfume algum? Que momentos nos deixarão marinados na emoção? “Quem pode saber como se tempera um coração?” É que cada coração se tempera diferentemente. Não há cozinheira ou cozinheiro que detenha o segredo da receita. Nem há receita. Alguns precisam de sal, pimenta talvez... Outros, um punhado de açúcar pra disfarçar a acidez... O outro é duro demais, de cozimento lento e paciente (há de ter muito talento quem com esse se meter!)... Para aquele outro, frágil, de manuseio delicado, basta um punhadinho de ervas-finas e pronto, o tempero fica no ponto... E tantos outros...
Não há muito o que fazer, a não ser ficar atento, prestar atenção, pois cada coração tem seu ponto exato de cocção.
Só peço que não me falte a tal da inspiração, pra te encher de receitas boas que te abram o apetite, te levem pra cozinha e te alimentem também o danado coração. Feliz 2011!
Bon appétit!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

NA TUA AUSÊNCIA



Há dias não escrevo. Não é por falta de tempo, de assunto bom ou por carência de boa comida. É preguiça, só pode. Preguiça de começar sem saber no que vai dar. Escrever ora adoça, ora azeda. Não me julgue, isso acontecia até com Clarice, por que não haveria de acontecer comigo? Mas é fim de ano e fim de ano é coisa especial. Tenho urgência! Resolvi apostar na afirmação dos franceses: “l’appétit vient en mangeant” (o apetite vem comendo) logo, a vontade de escrever vem escrevendo (?). Reuni meus livros, meus cadernos de receitas e passei a folhear um a um em busca de estímulo... Nada. É mais ou menos como ter a geladeira abarrotada de delícias e querer comer outra coisa, você sabe como é. Deixei pra lá. Meu deixar pra lá durou um punhado de dias. Ontem, porém, fuçando Comida e Bebida (PubliFolha), um livro recheado de contos, crônicas, poemas, receitas, canções e outros temperos pra vida, li na página 103:
FRUTAS VERMELHAS
Como frutas vermelhas, Na tua ausência, Tiro a roupa, Cometo indecências, Não te apresento, Minha livre docência, Porque ela não passa, Pela censura, Sou o que seria, Tua loucura, E a tua cura, Mas você, Ainda verde, Vai adiando, A experiência, E ainda usa, De grandiloqüência, Pra disfarçar, Sua resistência, Eu, pra não perder, A paciência, Como frutas vermelhas, Na tua ausência. (Canção de Alice Ruiz/ Paulo Tatit)
Fui pra cozinha. No congelador um restinho de framboesas, amoras e morangos esperavam por mim. Fiz uma calda espessa com as frutinhas. Coei grosseiramente. Deixei esfriar... Preparei um manjar branquinho com leite de côco. Virou uma espécie de escondidinho de frutas vermelhas. Decorei com lasquinhas de castanha do Brasil (ex-castanha do Pará) e finalizei com um raminho de hortelã. Ficou lindo, até vou fazer no Natal! Cometi a indecência de comer o pote inteiro (era pequeno). Bom demais! Descobri o que estava acontecendo comigo. Era saudade, só saudade. Depois passou. Voltei a escrever.
Bon appétit.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

À MESA COM MONET



Claude Monet se instala definitivamente em Giverny (80 km de Paris) com a mulher e seus oito filhos em 1883. É na bela casa desta pacata cidade que o artista empenha-se em criar um ambiente deliciosamente aconchegante como o que reina em suas telas. Ali Monet oferece almoços inesquecíveis a seus amigos igualmente famosos (ele preferia receber para o almoço, pois gostava de acordar cedo no dia seguinte e entregar-se à sua arte). Descobri, não sem surpresa, que Monet não cozinhava, mas fazia questão que a refeição fosse preparada com cuidado e esmero. “Há relatos que o gênio impressionista ficava de ótimo humor diante da perspectiva de uma boa refeição, porém era preciso ter cautela nos dias em que ele estava descontente com sua pintura.”
O livro, À mesa com Monet, que reúne curiosidades, receitas e fotos de endoidecer gente sã, revela de forma deliciosa e encantadora a intimidade da família e quelques secrets culinários do pintor, desvendados a partir da descoberta de seus cadernos de receitas, todas adaptadas pelo Chef Joël Robuchon do L'Atelier em Paris e trazidas para a nossa realidade por outro Chef, Claude Lapeyre, residente em nosso país.
Virar as páginas do livro é transportar-se ao passado, à virada do século XIX; é entrar na casa do artista e ser parte do espírito do lugar; é testemunhar o casamento perfeito do azul & amarelo; é percorrer seus jardins; é sentar-se à mesa e desfrutar das iguarias preparadas em panelas de cobre, como se fôssemos um de seus ilustres convidados. É, sobretudo sentir-se à vontade com Monet e lamentar não ter, verdadeiramente, saboreado uma fatia de vida ao lado dele.
Entre tantas receitas de sopas, ovos, molhos, entradas, aves, carnes, carnes de caça, peixes e crustáceos, sobremesas, ter que escolher uma é quase um castigo. A eleita foi a de Cebolas brancas recheadas. Anote: 4 cebolas grandes, 250gr de porco assado picadinho ou moído, 2 colh. sopa de cebolinha picada, 2 colh. sopa de ervas aromáticas frescas, 150gr de queijo do tipo suíço ralado. Agora corte uma tampa de 1cm de cada cebola. Branqueie-as em água fervente por 30 min. Escorra e deixe esfriar. Retire o miolo deixando a cebola com 1cm de espessura. Recheie com a mistura de carne, cebolinha, ervas e a metade do queijo. Ponha em forma untada e leve ao forno até dourar. Polvilhe com o resto de queijo.
Bon appétit!

ORA-PRO-NÓBIS


Ora-pro-nóbis é um desses matinhos que crescem à toa, sem eira nem beira, largadinhos ali no fundo do quintal, coisa de Deus. A plantinha cresce “sem regra nem regas” lá pelas bandas de Sabará, sede do Festival do ora-pro-nóbis. O objetivo da festa é consolidar a verdura como prato típico daquela cidade mineira. As folhinhas são arrancadas do pé, lavadas, cortadas ao meio e refogadas em pouco óleo, mexendo sem parar até perder aquela babinha característica dos cactos. Pronto. Depois é só servir com o que Minas tem de melhor: marreco, frango caipira, costelinha de porco, angu de milho... É comida de roça, de preparo simples, sem muita técnica. É comida fácil de fazer, boa de comer. A planta que também produz frutos comestíveis (ainda não provei) e cujas folhas são verde-escuras tem gosto suave, é fonte de beta-caroteno, é rica em cálcio, fósforo e ferro. Ela está presente em diferentes países (Estados-Unidos, México, Cuba, Austrália, Índia, Filipinas, Israel...), mas parece que é no solo mineiro que a erva fica feliz e dá, dá, dá...
Saí em busca da verdura, achei (em uma bandejinha de isopor e embrulhada em plástico, mas achei!). Comi com cebola roxa, alho, cenoura, abobrinha verde, pimentão amarelo, tudo refogado no azeite e temperado com tomilho, um raminho de manjerona e regado com um pouquinho de caldo de carne. Fui atrás da origem do nome, em vão. Só sei que vem do latim e significa Rogai por nós. E já num tá bão, sô?! Fica aqui minha sugestão para a Ceia de Natal: qualquer coisa com ora-pro-nóbis, pato, marreco, o tradicional peru, porco, massa, saladas (tem até sorvete da folha)... O importante é que nunca nos falte comida pra compartilhar com os amigos, ora-pro-nóbis! Que floresça em nós a semente do amor ao próximo, ora-pro-nóbis! Que sejamos fonte de alegria e gratidão, ora-pro-nóbis! Que nossos filhos, os filhos deles e todas as crianças sejam cobertas de bênçãos e tratadas a pão-de-ló, ora-pro-nóbis! Que respeito a tudo e a todos seja espontâneo e natural como mato que cresce no fundo do quintal, ora-pro-nóbis! Que nossa gula seja perdoada, ora-pro-nóbis! E que, se não for pedir demais, SP/Paris vire ponte-aérea para nós, ora-pro-nóbis! Afinal, não só de comida vive o homem. Feliz Natal!
Bon appétit!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

COZINHA PRA LÁ DE CRIATIVA



Uma amiga antenada me mandou um link. Já está nas bancas o Guia Brasil 2011 com a lista dos restaurantes “estrelados” e há um monte deles pra quem quiser checar. Mas são os bares, os botecos e os botequins, as pastelarias, as barracas de praia e mais um punhado de “portinhas suspeitas” que foram conferidos pelos repórteres do renomado guia, com o intuito de desvendar um universo gastronômico brasileiro que está longe de ser cravado com uma mísera estrelinha, mas é pra lá de curioso e original, além de encher o céu da boca de qualquer cristão, com combinações no mínimo divertidas.
Em sua próxima viagem a Salvador, seja corajoso e vá ao Bar Pimentinha (Boca do Rio) que abre só às segundas (a estranheza já começa por aqui). O proprietário, que é descendente de Índios, acolhe a clientela com um “banho de sete folhas”, o maço serve para dar sorte e tirar mau-olhado. Até aí tudo bem. Mas o melhor (?) está por vir. O prato-mor do estabelecimento é o Frango de encruzilhada, servido inteirinho, recheado com farofa e apresentado ao cliente com uma vela acesa espetada na carne. Afff... Devore a ave sem pensar muito, mas antes reze para o Senhor do Bonfim ajudar na digestão.
Porém, se é Belo Horizonte o seu destino, o Bar Temático, no bairro Santa Tereza é a bola da vez. O barzinho é imbatível no quesito bom humor. A especialidade do lugar é a Frustração di noiva, preparada com lingüiça atropelada (fritinha e despedaçada), acompanhada de mandioca mole. E será que dá pra se divertir com isso? A gastronomia popular oferece mesmo um mundo de possibilidades. Neste campo, a cozinha sisuda, elitista, estressante e cheia de frescuras não serve nem pra despacho.
Bon appétit!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

COMIDA É PATRIMÔNIO



A lista do patrimônio cultural imaterial da humanidade, criada por uma convenção em 2003, tem como objetivo proteger culturas e tradições populares, bem como lugares e monumentos. Terça-feira passada, 16 de novembro, a “comida gastronômica francesa” engordou a tal listinha que agora conta com 178 práticas culturais e/ou tradicionais. Um comitê da UNESCO que reuniu entendidos no assunto em Nairóbi (Quênia), considerou que a gastronomia francesa com todo seu zelo para se preparar a comida, reúne ce qu’il faut para abrilhantar a lista, já que a culinária francesa está diretamente ligada a uma “prática social destinada a celebrar os momentos mais importantes da vida dos indivíduos”, afirmaram os especialistas (que também devem ser bons de garfo!). Pela primeira vez uma “cozinha” que envolve comida, bebidas, utensílios utilizados, aspectos culturais, é citada no patrimônio da humanidade. Parabéns aos franceses que a essa altura já empinaram mais um bocadinho os avantajados narizes, encheram ainda mais o peito e estão, pra variar, salpicados de orgulho. Se a cozinha francesa é tudo isso (e é), o que dizer então da milenar cozinha árabe? Verdade seja dita: a cozinha mais humana que existe (mas este assunto fica pra outra ocasião).
Para mim, comida sempre foi patrimônio; é coisa sagrada; é o carimbo de um povo. E quem quiser realmente penetrar em uma cultura distinta, integrar-se, saber, há de começar a empreitada pela porta dos fundos: os mercados de cada cidade. É ali que se vê o habitante comum; ali se concentram os cheiros e as cores do lugar. Os mercados estão impregnados de tradições, de sabedoria popular, é história pura. A vida pulsa entre gente e alimento, e segue naturalmente seu curso. Isto, sim, é patrimônio!
Na esperança de ver, quem sabe um dia, a culinária brasileira engrossar a bendita lista da UNESCO, fica aqui minha sugestão: O Picadinho preparado pela Chef Eliane Carvalho, servido como plat du jour toda sexta-feira no Brie Restô, em Sampa. A criatividade, a delicadeza e a elegância na apresentação do prato, que vem acompanhado do nosso patrimônio nacional (arroz & feijão), provam que na cozinha (em tudo, aliás) é chic, chiquérrimo ser simples!
Bon appétit!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

RECEITA DO SUCESSO


Cozinhar & falar, comer & pensar... Juntei tudo: o que gosto, o que sei, o que tenho, o que sou... É sobre apetites que vamos conversar: um nos mantém de pé, o outro nos mantém vivos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

FINAL FELIZ (6)



“Depois de um jantar erótico que, colherada a colherada, conduz os amantes através dos preâmbulos e jogos amorosos até o leito, deve haver um final feliz: a sobremesa.Uma sobremesa coroa a orgia íntima: mangas flambadas ao rum ou profiteroles recheados com framboesas e cobertos por um manto de chocolate...”
Os doces são, e sempre serão, a fraqueza de muita gente (inclusive a minha). O açúcar, que já foi um aliado na conservação de alimentos, virou o grande vilão da saúde. “É um vício pior que o álcool ou as drogas, porque é legal, não é considerado pecado e pode ser cometido em público.” Particularmente, não consigo imaginar o final de uma refeição sem uma sobremesa, esse bocadinho doce que traz graça e encanto à mesa e tanto prazer às papilas. Posso até resistir à tentação vez ou outra, mas acho realmente uma tristeza ter que abster-me de tão delicado pecado. Afinal, não se pode ter tudo todo o tempo. Já entendi. De qualquer forma, tenha sempre em casa um bom licor se precisar flambar frutas ou regar um pedaço de bolo; biscoitos para enfeitar uma bola de sorvete e chocolate para fazer calda; mel e chantilly pra lambuzar aqui e ali... No caso das sobremesas, beleza é mais que fundamental, então capriche nos apetrechos na hora servi-las: taças altas, pratos com bordas largas, talheres de prata...
A receita de hoje é a de um creme clarinho, de textura sedosa, de gosto suave e muito versátil. Ele serve de base para muitos outros cremes e vai bem com frutas, com bolos e tortas, com café e puro, só com uma pitadinha de licor de amêndoas ou de laranjas; fica perfeito sobre uma fatia de bolo de chocolate pra encerrar um jantar romântico. E se sobrar um bocadinho, invente um destino interessante para ele...
Creme inglês, o mais francês dos cremes (do livro Afrodite de Isabel Allende): 2 xícaras de leite, 4 gemas, ½ xícara de açúcar, 1 pedaço de casca de limão. Aqueça o leite, o açúcar e a casca de limão sem deixar ferver (!) em panela com fundo duplo. Bata as gemas. Retire o equivalente a ½ xícara do leite quente e verta-o aos poucos sobre as gemas, sem parar de mexer. Misture isso aos ingredientes anteriores e cozinhe mexendo sem parar, até ficar espesso. Retire do fogo, tire a casca de limão e deixe esfriar, mexendo de vez em quando para não formar nata. Guarde na geladeira. Aproveite!
Bon appétit.

sábado, 11 de setembro de 2010

KAMA SUTRA (5)



O kama sutra (sem aquelas acrobacias, claro!) equivale ao prato principal da refeição (este também sem exageros desnecessários, que podem estragar tudo).
“Neste momento entramos plenamente na matéria culinária. Não tenha medo. Ninguém é perfeito, mesmo os melhores cozinheiros cometem erros, o importante é não admiti-los nunca. Possuo uma vasta experiência em catástrofes culinárias, posso oferecer dados práticos que Panchita jamais aprovaria. Seu lema é execução impecável e honesta, a minha é a falta de jeito criativa. Tente navegar entre estes dois extremos, na medida do seu talento.”
Cama e mesa têm os mesmos princípios básicos. Melhorar um é aperfeiçoar o outro. Conhecer um é entender o outro... Dezenas de estudos afirmam que homens que cozinham regularmente são melhores amantes. Cozinhar requer fogo, atenção, pequenos cuidados, dedicação, paciência, um pouco de técnica, criatividade e paixão. Na cozinha, cheirar, tocar, untar, lamber, comer, tudo faz parte da mesma obra. E você acha que na cama é diferente? “Assim como o orgasmo é a apoteose do encontro amoroso, assim também o prato principal é ponto culminante de um almoço ou jantar.” É na cozinha que se aprende a amar. E que nunca nos falte comida nem amor! Amém.
No Oriente, o açafrão é utilizado como estimulante. Camarões são considerados afrodisíacos. Francesca e Marisa, amigas de Isabel Allende, juntaram os dois ingredientes em uma receita que vai tirar você do sério.
Então vamos aos nossos Camarões ao açafrão. Você vai precisar de 8 camarões grandes sem casca e limpos, 250gr de macarrão em forma de borboleta (farfala), ½ xícara de queijo mascarpone (pode ser queijo cremoso bem fresco), ½ colherinha de açafrão em pó e ½ de azeite de oliva, 1 colher bem cheia de manteiga, sal, pimenta-do-reino, 1 pitadinha de páprica e outra de alho em pó. Frite os mariscos na manteiga com sal e pimenta. No fundo da travessa onde servirá a massa, bata o queijo com uma colher e junte aos poucos o açafrão, até obter um creme amarelo homogêneo. Acrescente o sal, a pimenta, a páprica e o alho, mexendo bem.
Cozinhe a massa al dente, escorra, junte o azeite e mexa. Verta imediatamente sobre o queijo e mexa mais. Coloque os camarões por cima e sirva em seguida. É de chorar de prazer...
Bon appétit!

JOGUINHOS AMOROSOS (4)


Os jogos amorosos são para os amantes, o que as entradas são para uma refeição completa. São os beijos, muitos deles. São as folhas frescas que compõem uma nobre salada. Uma salada singela, temperada só com vinagre, azeite, sal e pimenta para os atrevidos. E basta! Pelo menos, bastava. Era a acompanhante perfeita para pratos fortes e sopas cremosas.
“O que aconteceu com a simples salada de folhas verdes de antigamente? Parece ter desaparecido, derrotada pelos alardes da nouvelle cuisine. Foi destronada por combinações esotéricas que incluem ingredientes inusitados, como manga, polvo ou macarrões chineses, temperadas com molho teriyaki e queijo roquefort.” Foi o que aconteceu. É humano querer complicar a vida, já aceitei. E pra complicar a sua, hoje aqui vai ter conversa de menos e receita de mais.
A primeira é simplória e você pode variar os ingredientes como bem entender. Vamos lá. Para o Salpicão de primavera, misture 120gr de salmão defumado desfiado (ou ave, ou carne fria, ou camarões), 1 alface picada bem fina, 1 cenoura cozida e picada em cubos, 1 tomate picado sem pele nem sementes, ½ xícara de ervilhas novas, 1 ovo duro partido em quatro. Verta por cima tempero francês pouco antes de servir. Para o Molho francês: ¼ xícara de azeite de oliva, 3 colh. de vinagre de estragão, 1 colh. de açúcar, 3 colh. de suco de limão ou laranja misturados, ½ colherinha de molho inglês, mesma medida de mostarda, 1 pitada de gengibre moído, sal. Coloque tudo em um frasco, agite bem e guarde na geladeira até servir.
A segunda é mais classuda: Peras ao roquefort. Anote: 1 pera por pessoa, ½ limão, 1 colh. de mel, molho roquefort frio, pimenta-branca, ½ xícara de nozes moídas. Corte as peras pela metade e ao comprido. Retire sementes e fibras (deixe o centro oco). Tempere-as com uma mistura de mel, limão, sal e pimenta. Coloque-as viradas para baixo em uma travessa redonda formando uma estrela. Verta o molho roquefort e decore com chuva de nozes moídas. Molho roquefort: 3 colheres de queijo roquefort, 3 de creme de leite, 3 de aipo picado fino, 1 de manteiga, 2 de vinho branco seco, 1 gema de ovo, sal e pimenta. Bata creme e queijo. Junte manteiga, aipo, sal, pimenta e mexa. Aqueça sem deixar ferver. Bata a gema com o vinho e misture, mexendo bem até ficar espesso. Divirta-se!
Bon appétit.

"AQUECIMENTO PRÉVIO" (3)



“Às sopas aplica-se um critério semelhante ao dos molhos: são como os preâmbulos do amor e devem ser preparadas levando-se em conta todos os sentidos: aparência, aroma, sabor, textura e, em alguns casos, som. No mundo ocidental é falta de educação inclinar-se sobre o prato e fazer ruídos ao tomar a sopa, mas no Oriente seria um acinte para o anfitrião comê-la com a colher na ponta dos dedos, sem entusiasmo nem paixão.” Cá estou eu, de novo, citando a bruxa-mor Isabel Allende.
As sopas nos permitem ser criativos e seguir nossa intuição na hora de cozinhar. Elas são generosas e complacentes; não nos impõem o rigor do passo a passo, a precisão da balança, as medidas exatas. São boas. Existem pessoas que possuem um talento especial para preparar caldos e sopas (não é o meu caso), mas apesar desse dom, não conseguem fazer duas exatamente iguais (é o meu caso). Cada sopa é única, como cada cozinheiro. O melhor a fazer é “mergulhar no prazer”, se deixar levar e ver no que vai dar. Outra sopinha simpática é o consomê, um caldo translúcido e leve, servido antes de um prato mais encorpado. Os consomês são deliciosos, mas têm lá seus segredinhos e suas frescuras na hora do preparo. Devem ser cuidadosamente coados depois de frios e para dar um pouco mais de “liga” a um cosomê transparente, é preciso acrescentar uma colher de gelatina sem sabor dissolvida no próprio caldo (nada que nos tire o sossego da alma, pelo contrário). Os franceses são os AS de todos os caldos e, acredite, se te pegarem no flagra usando caldos em potinhos, em cubinhos ou aqueles em pó, sabe? Pois é, te mandam direto pra guilhotina. Exageros à parte, voltemos pra o que nos interessa: comida. E essa vai te fazer babar: Holyday de maçã (não fica doce, juro!). Providencie 1 maçã verde grande, descascada e cortada em fatias, 1 colher de manteiga, 1 xícara de caldo de verdura, ½ colherinha de curry em pó, 1 pitadinha de canela, 1 iogurte natural (200gr) ou 2 colheradas de creme de leite, 1 pitada de açúcar e sal, se necessário. Frite a maçã na manteiga. Junte o caldo e o curry. Cozinhe por 5 minutos e deixe esfriar. Junte o iogurte (ou o creme) e o açúcar. Bata no liquidificador e acerte o sal. Sirva fria (o “quente” dessa sopa é a mistura de curry e canela). Aproveite!
Bon appétit.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

HORS D'OEUVRES (2)



Ou “primeiras cócegas e mordidelas”, segundo Isabel Allende. Ela acrescenta: “À mesa, representam aquilo que os beijos são para os apaixonados, uma mostra delicada do que virá mais tarde quando a coisa ficar mais íntima. São servidos para acompanhar um coquetel ou uma taça de vinho branco antes de passar à mesa e, em alguns casos, quando a ansiedade de amar é tão grande que não há tempo a perder, podem substituir a comida.”
Hors d’oeuvre é um termo francês usado para designar os “salgadinhos” servidos antes do início da refeição. São as besteirinhas gostosas degustadas com os aperitivos. Tais besteirinhas devem ser levíssimas e intrigantes, já que a intenção é, só e somente só, de “acordar” as papilas, de “cutucar” o palato. São como as frases, salpicadas de malícia, ditas ao pé do ouvido... Benditos sejam os atrevidos! Saiba que sedutores e alguns canalhas inteligentes são especialistas em hors d’oeuvres (depois não diga que não avisei!). Voltando ao que interessa... Para encantar, aposte na simplicidade. As ameixas frívolas (nem imagino o porquê desse nome) são uma receita de Panchita, uma senhora clássica, moderada e prudente, e mãe de Isabel (acredite se quiser). Não tem quem não se derreta com essa delícia. Anote e faça! Providencie 6 ameixas secas sem caroço, ½ xícara de xerez ou vinho branco seco, 1 colher de nozes picadinhas, 1 pitadinha de noz-moscada ralada na hora, 3 fatias finas (finas!) de bacon e palitinhos para coquetel. Deixe as ameixas de molho na bebida por algumas horas, depois escorra e seque-as com papel absorvente. Recheie-as com um pouco de noz temperada com noz-moscada. Corte as fatias de bacon de comprido e envolva as ameixas com as tiras. Leve ao forno alto por dez minutos aproximadamente. Delicie-se!
Bon appétit!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

É QUASE PRIMAVERA, DE NOVO! (1)


E um novo ciclo está prestes a começar.
“Apetite e sexo são os grandes motores da história, preservam e propagam a espécie, provocam guerras e canções, influenciam religiões, lei e arte. Toda criação é um processo ininterrupto de digestão e fertilidade, tudo se reduz a organismos devorando uns aos outros, reproduzindo-se, morrendo, fertilizando a terra e renascendo. Sangue, sêmen, suor, cinza, lágrimas e a incurável imaginação poética da humanidade buscando significado...”
Li e reli tantas vezes... Lavoisier dissera basicamente a mesma coisa, sem a menor graça, sem poesia. Pudera, era um químico; Isabel Allende, uma bruxa. Faz bruxaria com as palavras, com coisas de comer, transforma tudo, preserva o melhor, subtrai aqui, adiciona ali, triplica o prazer... É quase primavera, de novo. E de novo nasce o desejo. Uma vontade doida que vem do nada. Só vontade. Pura. O ar muda, os cheiros mudam. É a natureza no cio, incluindo você e eu. “Gula e luxúria, que tantas loucuras nos fazem cometer, têm a mesma origem: o instinto de sobrevivência.” A primavera faz isso com a gente. Bendita seja! Aguça os apetites, os dois; provoca, seduz. É papel dela. (Re)pare pra ver! Isabel Allende trata um e outro com o mesmo capricho. Associa os molhos a outros fluidos; os hors d’oeuvres às primeiras carícias; compara as sopas, quentes e boas para o estômago, ao aquecimento prévio, imprescindível para o sexo; as entradas são os jogos amorosos, o beijo, os beijos; o prato principal vira o kama-sutra; e a sobremesa, sobre a mesa, coroa um final feliz, o prazer derradeiro, sobre a cama... E como não queremos saltar etapas à mesa (muito menos na cama), é de molho que vamos conversar. Um molho tem que ter aroma delicado e sutil; pode ser quente ou frio; alguns são suaves, outros mais consistentes; mas a qualidade dos ingredientes (que devem ser poucos) e bom-senso na hora de misturá-los é que vai fazer toda a diferença no resultado final. Menos aqui é mais. Quer apostar? Dissolva ½ colherinha de mostarda com ½ xícara de iogurte natural. Junte 1 colher de suco de limão, 1 colher de geleia de damasco e 1 cálice de vodca. Só isso. A combinação pode parecer bizarra, mas fica realmente deliciosa. Experimente com carnes, mas o molho é seu, e a imaginação também...
Bon appétit!

sábado, 28 de agosto de 2010

ASTÉRIX AMERICANIZADO



Uma propaganda do McDonald's com o gaulês mais gaulês que existe, o orgulhoso Astérix, traçando hambúrguer e batata frita causou revolta entre fãs do quadrinho francês, considerando o anúncio uma afronta ao patrimônio nacional. A publicidade mostra o herói francês e seus compatriotas festejando seu tradicional banquete na rede de fast-food. “O que vem depois? Tintin comendo no Subway?" Escreveu um blogueiro. “Que irônico, o invencível gaulês fazendo propaganda para os invasores", disse outro revoltado no Twitter. Foram tantas as manifestações de indignação, que até eu vou meter a colher nessa briga...
O McDo (como a rede é- carinhosamente- apelidada na França) é, e certamente sempre será, alvo do sentimento anti-americano que reina neste país; uma ameaça imposta pela “mondialisation” à tradicional cozinha francesa, ao simples, gostoso e charmoso sanduíche francês, feito com baguette dourada e crocantíssima, untada com manteiga cremosa, recheada com jambon de Paris (um presunto divino!)... Entendo os franceses e até estou do lado deles, da culinária cuidadosa que preza pela qualidade dos alimentos. Mas atire a primeira faca quem nunca devorou um sandubão da rede americana, seja por falta de tempo, por falta de opção ou por opção mesmo, simplesmente por querer e pronto. É bem verdade que os lanches da bendita rede são uma tremenda porcaria bem embaladinha e nunca farão parte das 1001 Comidas para provar antes de morrer, mas eles existem, estão por toda parte, são comidos, são até amados por um bocado de gente. Fazer o quê!? Mas os americanos erraram. Erraram feio. Foram estúpidos. Não souberam aproveitar o prestígio do simpático Astérix nem o que há de melhor nessa relação: o lado amigável, divertido, fraterno... Minha amiga Márcia W., que é tranquila e sempre bem-humorada, quando soube da história, declarou com toda naturalidade que lhe é peculiar: “Ué, era só o McDo fazer um sanduíche de javali e todo mundo ficava feliz!” Adorei Márcia! Fica aqui a sugestão para o departamento de marketing da tal rede, mas os créditos são da minha amiga (ou vocês vão ter que se entender com essa tupiniquim de músculos tonificados!).
Bon appétit!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

SAUDADE DE GRAVIOLA



A graviola, também conhecida como pinha da Guiné-Bissau, nasceu nas Antilhas. Não procurei saber como chegou até nós, mas sei que hoje a planta é cultivada principalmente no nordeste do país; sei também que ela é pouco exigente em relação a terrenos, gosta de climas úmidos e de baixas altitudes. Os frutos são grandes, pesados e ovais; cheinhos de sementes pretas envolvidas por uma polpa macia e branquinha; de sabor agridoce, muito suave que lembra a fruta-do-conde. De perfume delicado e sensual (é isso mesmo, sensual). Uma gostosura! É tudo o que sei. É só disso que me lembro. E tem esse nome lindo que bem poderia ser nome de mulher, de instrumento musical, de inseto voador, de ritmo de dança...
Outro dia, na seção de laticínios de um supermercado, me deparei com um iogurte com polpa de graviola; claro que havia algumas porcarias químicas no preparo da bebida, como em quase tudo que vem das indústrias; fiz vista grossa; comprei a novidade láctea para provar. Provei. E o que me veio à lembrança, foi uma mousse que me serviram em uma pousada de São Luiz do Maranhão, já faz um tempo. Era mousse de graviola, sim, agora tenho certeza! Deu saudade de graviola... A bacia cheia de gomos branquinhos, feito tufos de algodão, no colo da cozinheira, perfumavam o ar; ela, toda orgulhosa da fruta, cheia de si; a dona da receita, a detentora do segredo; ela, generosa e desprendida, me explicou sem frescuras, o preparo simples da delícia. E eu, onde estava com a cabeça que nem anotei? Será que tinha um “pulinho do gato”? Tarde demais. Não sei quando vou de novo por aquelas bandas. O jeito é me virar com o que tenho por aqui. Afinal, “na cozinha como na vida, nós damos certo da maneira como podemos”, Nigella Lawson me ensinou. Vai ser com polpa de graviola congelada mesmo que vamos matar essa vontade. Hidrate 1 envelope de gelatina sem sabor em 3 colheres de sopa de água e dissolva em banho-maria. Bata no liquidificador com 1 lata de leite condensado, 1 lata de creme de leite, 2 saquinhos de polpa de graviola congelada e 1 xícara de chá de leite integral. Pronto. Coloque em tacinhas e leve à geladeira por pelo menos 4 horas. Decore com lâminas fininhas de castanha do Brasil. Agora me diga, tem como não dar certo uma mistura dessas?
Bon appétit!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O GLUTÃO




Glutão é um animal voraz, parecido com um urso pequeno, que não se cansa de comer. Devora tudo o que lhe aparece pela frente: peles de animais, pedaços de couro, carne dos roedores... Porém, na falta destes, o glutão não mede esforços para atacar animais de grande porte e saciar momentaneamente uma fome implacável. É um bicho considerado esperto e tem a reputação de roubar as presas das armadilhas, para o desespero dos caçadores. O homem glutão é muito, muito parecido com ele. É o guloso, o comilão. O glutão come e não percebe o sabor do que comeu. Não sentiu o cheiro. Não se atentou à sutileza dos prazeres atrelados ao ato de comer. Não apreciou. Engoliu sem observar. Aí está a diferença entre o glutão e o gourmet. Este último desfruta, saboreia, dá tempo ao paladar, come com os olhos, aprecia, homenageia, res-pei-ta; o glutão só devora, engole sem fome, bebe sem sede, sem moderação; menospreza o alimento e ofende o cozinheiro caprichoso.
Sei que de médico, glutão e louco, todos nós temos um pouco; e de glutão, Deus me ajude, quero ter quase nada. Os ingleses é que estão certos ao afirmarem que “o glutão cava seu túmulo com os dentes” e do outro lado do Canal da Mancha, Victor Hugo ensinou que a “indigestão é uma criação de Deus para impor uma certa moralidade ao estômago.” Amém.
Nunca escrevera antes sobre o glutão, até me deparar com um, disfarçado de gourmet; foi um desprazer do início ao fim. Aguentei firme. Rezei baixinho. Pergunto-me até hoje o que me fez ficar ali durante tanto tempo. Ainda não sei ao certo e, talvez, nunca saberei... Sou educada mas ando com preguiça das pessoas, com preguiça de discutir, de jogar conversa fora.
Receita de comida, hoje aqui não vai ter. É o jejum do corpo pra tornar a alma mais leve. Vou saborear minha fome e me poupar do desgaste de ter que digerir comidas e insultos. Fome também tem gosto. O glutão, coitado, nunca saberá.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

EM MINHAS FANTASIAS



“É que tenho um fascínio enorme pelas panelas, pelo fogo, pelos temperos e por toda a bruxaria que acontece nas cozinhas, para a produção das coisas que são boas para o corpo. Não é só uma questão de sobrevivência. Os cozinheiros dos meus sonhos não se parecem com especialistas em dietética. Interessa-me mais o prazer que aparece no rosto curioso e sorridente de alguém que tira a tampa da panela, para ver o que está lá dentro. Minhas cozinhas, em minhas fantasias, nada têm a ver com estas de hoje, modernas, madeira sem a memória dos cortes passados e das coisas que se derramaram, tudo movido a botão, forno de micro-ondas, adeus aos jogos eróticos preliminares de espiar, cheirar, beliscar, provar, perfurar... Tudo rápido, tudo prático, tudo funcional. Imaginei que quem assim trata a cozinha, no amor deve ser semelhante aos galos e galinhas, quanto mais depressa melhor, há coisas mais importantes a se fazer... Quero voltar à cozinha lenta, erótica, lugar onde a química está mais próxima da vida e do prazer, cozinha velha, quem sabe com alguns picumãs pendurados no teto, testemunhos de que até mesmo as aranhas se sentem bem ali... Eu diria que a cozinha é o útero da casa: lugar onde a vida cresce e o prazer acontece, quente... Tudo provoca o corpo e sentidos adormecidos acordam. São os cheiros de fumaça, de gordura queimada, do pão de queijo que cresce no forno, dos temperos que transubstanciam os gostos, profundos dentro do nariz e do cérebro, até o lugar onde mora a alma.... Cozinha: ali se aprende a vida. É como uma escola em que o corpo, obrigado a comer para sobreviver, acaba por descobrir que o prazer vem de contrabando. A pura utilidade alimentar, coisa boa para a saúde, pela magia da culinária, se torna arte, brinquedo, fruição, alegria. Cozinha, lugar dos risos... Cozinheiro: bruxo, sedutor. “-Vamos, prove, veja como está bom...”
São pedacinhos de Aprendendo das cozinheiras do delicioso Rubem Alves. O que dizer, meu Deus, depois de tanto amor oferecido, servido, derramado? Só resta me lambuzar com suas palavras, devorar letra por letra... Ah Rubem, pelo menos na cozinha, somos farinha do mesmo saco. E em minhas fantasias, é com você que cozinho.
Bon appétit!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

MINAS, O PAÍS DAS MARAVILHAS.



No mundo da gastronomia é comum dividir a cozinha brasileira em três categorias: a baiana, a nordestina e a mineira. O que é no mínimo injusto com uma culinária feito a nossa, infinitamente rica. Mas se assim tiver que ser, é esta última que, a meu ver e pro meu gosto, melhor retrata o brasileiro comum, de alma despretensiosa, quase ingênuo. É na cozinha mineira que os alimentos simples, os grãos mais comuns, os bichos comestíveis se transformam, sobre o calor das lenhas do fogão caipira, em comidas inesquecíveis, de sabor inigualável. O arroz cozido tem que ser branquin e soltin, o frango criado no quintal vira franguin no molho cremoso e amarelin, o feijão se transforma em tutu apimentadin, o milho é sempre bem cozidin, tem couve e quiabo refogadin e a doce banana frita, que essa não pode faltar, rechonchuda e molhadinha, pra coroar a refeição e até virar sobremesa, se coberta com açúcar e canela, aí vai do gosto do freguês. Os mais exigentes não abrem mão da combinação popular que homenageia o amor, Romeu & Julieta; os gulosos e sem muitas restrições alimentares se deleitam com a goiabada cascão feita no tacho de cobre, o figo em calda grossa, o doce de leite bem apurado apelidado de “pingo”, o pudim de leite, o doce de ovos e a ambrosia, ah a ambrosia, esse doce sem precedentes, o hors-concours das delícias açucaradas, o melhor doce do mundo! No país das maravilhas é tudo tão “in e inha” que se você não abusar da abusada cachacinha mineira, dá até pra encerrar a refeição com um cafezin preto acompanhado de rapadura em pedacin. Sem falar que em matéria de panelas, Minas desbanca todo mundo com as suas de cobre ou de ferro, as de barro e as de pedra que são o sonho de todo cozinheiro doidin por elas.
Outro dia li um frase da chefe Ana Luiza Trajano, profunda conhecedora da culinária brasileira: “... em gastronomia é sempre muito mais difícil fazer o simples. Ter os ingredientes corretos, colocados da forma certa, é o que traz a verdadeira riqueza da comida.” Em Minas Gerais é assim, uai.
Saiba que existem muitas versões de receitas de ambrosia (algumas muito antigas) e sua origem é discutível; folheie os velhos livros de receitas da família, com certeza terá uma a sua espera. Você sabia que Ambrosia significa “manjar dos deuses do Olimpo que traz a imortalidade”? Viva Minas!
Bon appétit!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

CUIDANDO DELE




Pesquisas realizadas no Brasil e no mundo afora afirmam que os homens vivem em média sete anos menos que as mulheres (em alguns casos, ainda bem!). Entre as doenças que mais agridem nossos homens, está a obesidade, que traz outros problemas de saúde mais graves, como o infarto, a diabetes e a hipertensão arterial. Sem falar que os machões correm dos médicos como o diabo da cruz.
Alguns alimentos como a linhaça (rica em fibras e fonte de ômega 3), vegetais ricos em licopeno, presente no tomate, na melancia e no pimentão devem ser incluídos no cardápio masculino para prevenir doenças, melhorar o desempenho físico e mental e retardar o inevitável: o envelhecimento. Sem esquecer o alho que aumenta a elasticidade dos vasos, cuidando com esmero da circulação. Tem também a soja preta que neutraliza a ação dos radicais livres, previne contra o câncer e doenças do coração. Inclua também a farinha de banana verde no cardápio de seu homem pra controlar o colesterol e outras mazelas que tiram o sossego do corpo. Outra dica: uva nele! O suco integral da fruta (quanto mais escura, melhor) e o vinho tinto seco são poderosos antioxidantes, domam a pressão e acalmam o estressado. Lembre-se de que comida boa, na dose certa, associada a uma atividade física (sexo bem feito, por exemplo) são fundamentais para uma vida feliz. Outro dia fiz uma massa para um amigo; confesso que a intenção não era cuidar da saúde dele e, sim, matar o tempo na cozinha. Ficou deliciosa e riquíssima em ômega 3. Vinho não tinha, mas nosso humor, que costuma ser bom, regou a refeição. Cozinhei 250gr de macarrão tipo penne (grano duro) em bastante água com sal grosso e ervas finas. Fiz um molho improvisado super simples com 1 lata de sardinhas no suco de limão (escorra o excesso de óleo) e suco de 1 limão inteiro (use limão siciliano, vai ficar muito mais gostoso!). Amassei as sardinhas com garfo, reguei com o suco e misturei à massa escorrida e ainda bem quente. Salpiquei, sem dó, queijo ralado misturado com raspas de limão. Ficou pra lá de bom. Sirva a massa em cumbuquinhas e decorada com folhas do que você quiser (manjericão, hortelã, salsinha...). Cuidemos dos homens que restam neste planeta tão... feminino.
Bon appétit!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

FELIZ POR VOCÊ. FELIZ COM VOCÊ.



Papel e caneta em mãos... Vou poder escrever sobre o que mais gosto: meu gosto pelo gosto. Transformar alimentos em verdadeira explosão de prazer... Vai ser mamão com mel! Doce engano... Como é difícil escrever sobre comida em um escritório! Decidi então me plantar à mesa da cozinha e deixar as ideias marinarem... Descobri em seguida que transcrever sentimentos gastronômicos pode ser mais penoso que desossar um boi! Resolvi então, neste nosso primeiro “encontro”, contar como descobri aos poucos que adorava cozinhar...

E foi assim como tudo começou. Cá estamos nós, meu querido, há oitenta e sete semanas juntos. Tivemos que nos adequar um ao outro, é bem verdade, e confesso que nem sempre foi um mar de rosas, mas chegava sexta-feira e nós outra vez alimentados, fortalecidos, apaixonados. Assunto nunca nos faltou (falei de abobrinhas e até abobrinhas). Você cumpre com primor o seu papel, tem sido meu divã e se eu conseguir, através de você, tocar alguns corações, aguçar alguns apetites, aí sim, terei cumprido o meu.
Parabéns! São trezentas edições recheadas de fatos e fotos, saciando a sede de informação, a fome de cultura e de diversão. Estou feliz por você. Sou feliz com você.
Bon appétit (seja ele qual for).
(Elma Rios para a edição de nº 300 do Jornal CircuitoMatoGrosso)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ELMA RIOS POR LUIZ PERLATO


Uma mudança radical de comportamento, quase um milagre coletivo, está acontecendo em Cuiabá, onde os leigos da gastronomia, para a maioria dos quais o fato de ler uma receita e preparar uma simples refeição cotidiana sempre foi uma tarefa quase tão complicada quanto ler uma partitura musical, estão se aproximando do fogão e pegando intimidade com a cozinha.
Por trás da nova tendência estão alguns personagens que até bem pouco tempo só se ouvia falar que fossem famosos em países como a França e a Itália, onde o homem, do mais simples ao mais graduado no mundo profissional, chega do trabalho, substitui o paletó pelo avental e foge para a cozinha.
Em alguns países da Europa o espaço da cozinha é como um palco de teatro, onde o homem até briga com a mulher para mostrar seus dotes culinários. Todo mundo é cuoco, e o prazer de ir à casa de amigos preparar uma refeição magistral e simples ao mesmo tempo é um hobby antigo que nunca caiu de moda.
Ao contrário do que acontece no centro do Brasil, em que maitres e garçons ganham a vida como personal chef, de carona numa moda que se espalhou pelo país seguindo uma tendência de mercado, na capital de Mato Grosso tem professores e empresários de sucesso que, nas horas de folga, se divertem ensinando às pessoas a arte de cozinhar. Com eles se aprende a fazer de cada refeição, por mais cotidiana, uma experiência gastronômica marcante.
É bem isso que acontece com Elma Rios, uma das mais bem conceituadas e competentes professoras de língua francesa do Brasil, com 30 anos de experiência. Ela já morou em Paris e fala o idioma melhor do que os próprios franceses, ao ponto de muitos deles não acreditarem que seja brasileira.
Elma Rios todo ano viaja para a França e pelo mundo afora. Nessas suas idas e vindas, foi testemunha de que a França era uma referência na gastronomia e acabou se apaixonando. A profissão de professora ajudou. De um relacionamento com a chef Eliane Carvalho, sua ex-aluna que atualmente tem um restaurante em São Paulo, Elma se viu incentivada a conhecer melhor os princípios da culinária. Hoje ela é uma especialista, e sem perder de vista o ensino de idioma virou colunista de gastronomia e até criou um blog que, pelo fluxo de visitantes, está “fervendo” na internet: o gosto pelo gosto.
“Cozinhar para amigos é o prazer mais genuíno que existe, uma verdadeira terapia. Alimentar-se é uma coisa, compartilhar uma refeição é outra, a felicidade é uma sequência de boas horas. A comida pode ser simples, mas, com a marca registrada da pessoa que faz, cada momento se torna único e memorável. Preparar uma refeição e condividi-la com amigos faz parte do bom-viver. Eu gosto de pensar que ao cozinhar e escrever minhas crônicas gastronômicas estou ajudando o mundo a ser tornar um pouco mais doce”.
Para esta cozinheira a domicílio, todo mundo deveria saber preparar pelo menos um risoto para receber os amigos em casa. “Na cozinha as pessoas se transformam, se surpreendem e são surpreendidas, melhoram a convivência”. Mas ela destaca que a devoção no preparo de uma refeição passa necessariamente pela fuga ao modismo, que tende a transformar os alimentos em mousse.
“Nos dias de hoje os preços da comida aumentaram muito e a a quantidade das refeições oferecidas nos restaurantes diminuiu. Os pratos são servidos como uma obra de arte, que a gente tem até medo de tocar. Por isso, atualmente, a cozinha tem que fazer parte do conhecimento geral das pessoas, e é o que tem acontecido. As pessoas querem não só ter um chef que às vezes venha à casa delas preparar uma refeição, mas também querem participar do ato de cozinhar. É um novo conhecimento que se expande”.
Fugir dos modismos e das criações absurdas, conforme explicações dela, é preferir ingredientes de qualidade e voltar para uma cozinha mais tradicional. “Uma boa frase para a culinária hoje é que você tem que respeitar a natureza dos alimentos e casá-los entre si, para que tudo fique harmonioso. Você pode esquecer o que comeu, mas seu corpo não esquece”.
Nos sonhos da professora Elma tem um que ela pretende realizar em breve, que é abrir um bistrôt , com a oferta de comida farta e de qualidade. “Mas gosto muito de cozinhar a domicílio e fazer toda a refeição na tonalidade preferida pela pessoa, como o rosa, por exemplo, e tudo estritamente com ingredientes naturais”.
Luiz Perlato/Redação Folha do Estado/Suplemento/4 de julho de 2010 Cuiabá-MT

ESPANHA GOELA ABAIXO



A paella é um utensílio de cozinha derivado da patella (uma espécie de bandeja usada pelos romanos em rituais de fecundação da terra), utilizado pelos camponeses espanhóis do século 16 para preparar refeições. Os camponeses levavam apenas azeite, carnes (geralmente de caça), vagem, ervilhas frescas, arroz, sal, açafrão e água. Cozinhavam tudo e comiam ali mesmo nos campos, ao ar livre. Só bem mais tarde o tomate e o frango vão entrar no preparo para dar mais cor e sabor ao cozido. A paella valenciana é uma espécie de frigideira, de ferro ou de aço, de fundo plano, daí o nome do prato. E como tudo é uma questão de tempo, outros ingredientes foram se juntando ao preparo e fazendo da paella um prato misto, de carnes e frutos do mar, requintado e relativamente trabalhoso, mas extremamente saboroso, colorido e fartamente perfumado pelo açafrão. Há outra versão, mais romântica, para a origem do nome do prato. Dizem que os camponeses, após longos períodos no campo, chegavam saudosos de suas mulheres e preparavam esse delicioso cozido, nutritivo e afrodisíaco “para ella” com a intenção de você já sabe qual. Verdade ou mentira, o que importa? O fato é que esse prato mágico, desde o preparo até a degustação, encanta todo mundo e enche a gente de prazer.
A paella é prato único, geralmente servido em ocasiões especiais; um prato farto a ser compartilhado entre amigos que apreciam a boa mesa; se degustado ao ar livre, melhor ainda. A paella é por si só uma grande festa. Uma deliciosa homenagem ao homem do campo, aos presentes da natureza. Leia mais sobre esse prato. Estude-o. Desvende os segredinhos da paella tradicional, da paella espanhola, da paella valenciana. Chame alguns amigos curiosos, escolham ingredientes de qualidade superior e aventurem-se na confecção de uma delas. Vai ser no mínimo, divertido. Quer saber? Tem até uma paella cuiabana, sem frutos do mar, claro, mas muito original no sabor, feita com carnes, peixes da região e decorada com fatias de banana-da-terra fritas. Deliciosa!
Bon appétit.



PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DA COPA



Frango lembra goleiro desatento... Laranja lembra você sabe quem... Então lá vai: pra ninguém dizer que não falei da Copa, melhor encarar os fatos e ver o lado bom das coisas (tem que ter um). Não lamentemos por esses milionários do mundo futebolístico; convide os amigos pra uma refeição, prepare um delicioso Frango ao molho de suco de laranja e bola pra frente, que do jeito que os ponteiros correm, 2014 vai chegar num piscar de olhos e o mundo vai girar, de novo, em torno de uma bola.
Frango, pato e outras aves ficam simplesmente divinos com suco de laranja. Existem centenas de versões desse molho. O suco da laranja combina com vinho branco seco, gengibre, mel, mostarda forte, cebola, pimenta-do-reino moída na hora e mais um bocado de coisas... Fazer um molho requer bom senso, equilíbrio na dosagem de cada ingrediente e atenção, só isso. Um bom molho enriquece a refeição; é envolvente, abre o apetite e suaviza carnes de sabor muito acentuado.
Doure pedaços de frango temperados com limão, sal e pimenta do reino em uma frigideira com um pouco de óleo e manteiga. Retire os pedaços e na mesma frigideira refogue uma cebola roxa picada; regue com um cálice de vinho branco seco para que todo o “suco do frango” se despregue da frigideira e deixe evaporar um pouco. Junte um copo generoso de suco de laranja natural, gengibre ralado e deixe ferver. Experimente! É assim que se acerta o molho, experimentando e ajustando os ingredientes ao gosto do freguês... Ácido demais? Junte uma colherinha de mel. Doce demais? Um pouquinho mais de sal e raspas de noz-moscada resolvem. Ralo demais? Retire um pouco de líquido da frigideira, junte uma colherinha de amido de milho, dissolva bem, misture de novo ao molho, deixe ferver sem parar de mexer com o fouet e pronto. Reserve sempre um pouco de suco para o caso de o molho ficar muito espesso. Um molho perfeito deve ser brilhante, homogêneo, aromático e suave. Ele foi feito para acompanhar a carne e não para camuflá-la. É um casamento bem sucedido (pelo menos na cozinha ainda há esperança). Tudo isso me lembra Isabel Allende: “A mão boa para fazer um molho é como a mão boa para fazer uma massagem, atributo valioso e escasso.” Mas isso é outra história. Sirva o molho sobre os pedaços de frango e bon appétit.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

CUIABÁ, SP, PARIS, LONDRES, BERLIM...



Já passava da meia-noite. Mesinha de boteco, espeto de coxinha de asa de frango, arrozinho branco, tomate picadinho no molho de vinagre, mandioca cozida quase derretendo na boca, farofa de... farinha mesmo. Comida perversa. Bebida alcoólica nem pensar, meu amigo ainda estava se recuperando de uma semana em Sampa regada a vinho, saquê e outros líquidos desidratantes, agora só coca-cola mesmo pra botar as coisas no eixo, e nada de zero, light, diet, que de porcaria o corpo já anda saturado. Papo vai, papo vem, diário de viagem falado, esmiuçado, como se viver sem narrar o vivido fosse viver pela metade. Contar é viver o fato de novo só pra oferecer um pedaço: escuta só, experimenta aí um pedaço do que aconteceu comigo! Pronto, a prosa estava em dia; era o passado recente passado a limpo. E o assunto descambou pra o que poderia ser degustado nas próximas viagens. Meu jovem amigo que se sente inteiramente à vontade em SP, Paris, Londres, Berlim (e mais um bocado de lugares bacanas) sem nunquinha ter comungado com essas três últimas capitais, me veio com uma frase à la Lispector: “Elma, meu espírito parece velho, velho assim de vivência, sabe? Mas como?! Se ainda não vivi??”. A essa altura não dava pra filosofar a respeito, a digestão começava a ser feita, o cansaço batia, argumentar sobre o que poderia ser um déjà-vu de vivência era demais pra mim. Respondi com uma gargalhada, daquelas que ficam guardadas no fundo do peito, e ficou por isso mesmo. Pagamos a conta, aliás, ele pagou (justiça seja feita). Saímos. Mas antes de nos despedirmos ele me preveniu: “Vê se não vai se empolgar e sair escrevendo tudo o que a gente conversou aqui.” Como não, querido amigo, se vivo aproveitando os ganchos pra documentar pedaços de vida? Melhor não me ameaçar ou conto o resto, que de resto, não tem nada. Obrigada por mais uma boa hora vivida juntos e aprenda a fazer o Franguinho tonto de que você tanto gosta.
Tire a pele de 6 sobrecoxas desossadas; tempere com o suco de 1 limão e ½ pacote de creme de cebola; enrole uma fatia de bacon em cada pedaço, coloque em uma assadeira, distribua pétalas de cebola roxa entre os pedaços e um punhado de manjerona ou alecrim por cima; cubra com vinho branco seco ou cerveja mesmo e leve ao forno até dourar. Coma com arroz integral e cenoura raladinha pra diminuir a culpa. Bon appétit.

domingo, 20 de junho de 2010

LILLIAN, MARCIA E EU.


"Elma, Lillian me lembra você (ou será o contrário?), cada uma a seu modo. Espero que lhe desperte sentidos e sorrisos.” São palavras de uma amiga, recheadas de carinho, escritas na primeira página de um livro delicioso e emocionante que ela me deu de presente.
Na primeira segunda-feira de cada mês, a cozinha do restaurante de Lillian se transforma na Escola dos Sabores, onde um pequeno grupo se reúne na expectativa de aprender a preparar deliciosas receitas “ou pelo menos é isso que esperam que aconteça”. A chef Lillian que se apaixonou pela culinária ainda menina, vai mais longe, propondo desafios com alguns poucos ingredientes essenciais, fugindo das receitas tradicionais, do rigor das quantidades definidas e da tirania do modo de preparo. Ali, na cozinha de Lillian, os aprendizes se deixam levar pelos sentidos. Ela aprendeu que os ingredientes têm alma e o poder de mudar a vida das pessoas e que, no fundo, estamos todos em busca de respostas “que vão muito além da cozinha.” Descobrir os segredos da arte de cozinhar é se deixar (trans)formar pelo paladar, pelos cheiros e pela textura dos alimentos. É mudar com prazer. É crescer sem dor. É honrar os sentidos. É puro respeito à natureza das coisas.
Cara amiga, que presente você me deu! Não estou falando do livro em si; refiro-me aos momentos temperados com emoção, daquelas boas, que arrancam a gente do chão, que nos fazem perder momentaneamente o fôlego e sentir o que de fato importa na vida. De algum modo, somos colegas na Escola dos Sabores, na cozinha de Lillian que é um verdadeiro tributo à amizade. Saboreei cada capítulo. Merci Marcia.
E você, o que deseja encontrar em uma escola de cozinha? Comece por aqui. E, “depois de ler este livro, nunca mais fará uma refeição como antes.” Certa vez, Lillian, ainda criança, preparou um purê de batatas na tentativa de resgatar a mãe de uma profunda depressão. “A água quente da grande panela azul fervia devagar e as batatas se agitavam de um lado para o outro. A cozinha se encheu com o calor e com o cheiro do leite aquecido. Verificou as batatas. Estavam prontas. Parem de cozinhar-disse enquanto despejava água fria sobre as batatas fumegantes. As cascas se soltaram. Ligou a batedeira e viu as batatas se transformarem de formas em texturas. Pedaços de manteiga derreteram. Despejou lentamente o leite. Depois acrescentou o sal. Queijo parmesão, ralou um pouco, pegou as finas lascas e as deixou cair como uma bruma na tigela da batedeira ainda em movimento. Pronto.”
Bon appétit.

sábado, 19 de junho de 2010

"PEDE MOLEQUE!!!"



Junho é mês cheiroso; é mês gostoso. É mês de fé. De acordo com historiadores, esta festividade foi trazida para nós, pelos portugueses, durante o período colonial, época em que havia uma forte influência de elementos culturais portugueses, chineses, espanhóis e franceses. Da França veio a dança marcada; da China, os fogos de artifício; da península Ibérica, a dança de fitas... Todos esses temperos culturais foram se misturando aos do nosso povo nas diferentes regiões do Brasil e pronto, a festa ganhou a nossa cara, virou festança. Mas foi no nordeste, região de povo de fé (que sem ela, a seca já teria rachado também as almas), que a festa ganha expressão. É hora de render homenagens a São João, a Santo Antônio e a São Pedro e agradecer as chuvas raras que nutrem a agricultura simples que aliviará por um tempo, a dor e a tristeza da fome. Junho é mês de alegria! Junho é também a época da colheita do milho, a base de muitos doces, bolos e salgados que recheiam a festa. É a vida tingida de amarelo. Tem pamonha, cural, canjica e milho cozido molhadinho com manteiga salgada que derrete na boca e lambuza a gente de prazer; tem broa de fubá pra tomar com café coado no coador de pano; arroz doce, pinhão assado, pipoca, cuzcuz, cocada, batata doce... Não pense que esqueci o pé-de-moleque. É a história dele que me trouxe até aqui. As doceiras mineiras afirmam que essa deliciosa iguaria de amendoim torrado nasceu em Minas Gerais mesmo “uai” e que antigamente elas colocavam os tabuleiros com o doce na sacada das janelas para esfriar e os moleques vinham e vapt, roubavam alguns pra comer escondido (e o doce que já era bom, roubado ficava ainda mais doce) e elas gritavam, na vã tentativa de educar os meninos: “Pede, moleque!”. Parece que o nome do docinho foi deturpado só porque nossas doceiras não se importavam com o imperativo dos verbos. Quer saber, danem-se os imperativos da língua, dessa língua complicada que é a nossa. O que tem que imperar na vida, são as coisas simples, os bons momentos, as conversas com amigos de verdade, a doçura da voz dos filhos, as boas novas... Há alguns meses, minha filha, que mora em Minas, me disse que era a vez de ela ser mãe; e há poucos dias, me anunciou por telefone: “É um menino, mãe!”. Tenho que partilhar minha alegria ou vou explodir feito balão no ar. E aqui vai meu recado: Querido DH, estamos prontos (ou quase) pra receber você, cheios de amor pra dar. Venha com a beleza e a alegria de seus pais. Tenha bon appétit e fome de mundo. E quando precisar de mim, pede moleque!!!

quinta-feira, 27 de maio de 2010

ALIMENTANDO RELACIONAMENTOS



Um estudo realizado por uma universidade americana da Carolina do Norte sugere que pequenos gestos de gratidão para o parceiro amoroso ajudam a fortalecer o relacionamento. A pesquisa foi feita durante duas semanas com 67 casais heterossexuais que anotaram todas as boas ações que fizeram para o parceiro bem como as ações de seus companheiros que os agradaram. Qualquer gesto, mesmo aparentemente insignificante, como servir um cafezinho, preparar um jantar comemorativo, levar as “ferinhas” pra passear, valia. Os pombinhos também registraram suas reações emocionais a esses mimos cotidianos e os resultados do estudo mostram que “a gratidão foi fortemente associada com a proximidade entre os companheiros e satisfação para homens e mulheres.” Generosidade e gratidão são, sem sombra de dúvida, ingredientes que temperam e dão liga ao molho que envolve os relacionamentos. Mas fiquemos atentos! Uma outra pesquisa realizada em uma universidade australiana, afirma que homens e mulheres que assumem compromisso, ficam mais rechonchudos, já que quando estamos mais felizes em uma união estável, nosso apetite e nosso desejo de partilhar prazeres, tendem a aumentar. É muito estudo científico pra dizer o que, instintivamente, já sabemos: o ato genuíno de dar amor (seja ele qual for), é o dar de comer.
É muito blábláblá pra mim... Vamos ao que interessa aqui e agora. Quer fazer uma comidinha boa e comer sem culpa? Afinal, muitas vezes, é mais nefasto o que sai pela boca do que o que entra por ela.
Prepare uma refeição da culinária grega, abençoada por Afrodite, tirada do caldeirão da Márcia Frazão e usufrua do poder da deusa. Faça o Briami (legumes ao forno): corte em cubos 5 abobrinhas, 4 batatas, 2 berinjelas; junte 2 xíc. de molho caseiro de tomate, 4 dentes de alho espremidos, 1 cebola em fatias grossas, 2 folhas de louro, ½ xíc. de azeite, ½ colher de chá de noz moscada, 1 colh. sopa de tomilho fresco, sal e pimenta-do-reino moída na hora. Coloque tudo em uma assadeira e leve ao forno médio por uma hora. Regue de vez em quando com um pouco de água para que os legumes fiquem sempre banhados por um generoso caldo. Aproveite os intervalos pra namorar. Sirva quente com bastante azeite por cima, acompanhado de pão árabe e Keftedhes sta karvouna (bifes de carne moída). Prepare na véspera uma Mantarinadha (calda de tangerina) pra regar um pedaço de bolo, uma bola de sorvete ou que sua vontade pedir...
Bon appétit!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

"VOTE NO BRIGADEIRO!"



Vou contar uma historinha. A de um doce cuja identidade permanece confusa. Informações sobre quando e onde ele surgiu são imprecisas. Procurar o autor da guloseima seria amargar, em vão, os anos que me restam. Então aceitemos de bom grado, uma autoria coletiva e pronto. Afinal, a combinação de seus ingredientes está muito mais ligada à intuição, à busca de prazer e ao deleite do palato, que qualquer outra coisa... Leite condensado (a história dessa delícia fica pra uma outra ocasião), chocolate em pó (o popular “do padre” que também não dá pra estender aqui) e manteiga; o fogo transformando tudo e voilà: nasceu o negrinho, lá no sul do país, afirmam os gaúchos... 2010 é ano de eleição e em ano de eleição, você sabe, “a voz do povo é a voz de Deus” (pelo menos era pra ser) e é essa mesma voz que espalha por aí que o negrinho virou brigadeiro. Vamos por partes senão me perco. Eduardo Gomes disputou com Eurico Gaspar Dutra, a presidência da República em 1945. O então Brigadeiro da Aeronáutica fora derrotado, mas contribuíra com um capítulo importante da história brasileira. Em 1950, nosso Brigadeiro voltou a disputar a presidência e aqui começa a parte boa dessa história: mulheres do Rio de Janeiro, engajadíssimas na campanha eleitoral de Eduardo Gomes, preparavam negrinhos em casa e os vendiam nas ruas da capital para engordar a campanha do cobiçado candidato que tanto fascinava as moçoilas cariocas. “Vote no Brigadeiro que é bonito e é solteiro”. Mas nem o bordão eleitoral, nem os encantos do nosso homem, nem mesmo a doçura das bolinhas de chocolate que acabam levando o nome da patente do candidato, lhe renderam os votos necessários e Getúlio Vargas, que nunca foi padrão de beleza, abocanhou o cargo.
Há uma outra versão da identidade do docinho, não menos interessante, mas indelicada e nada romântica, já que está ligada às partes íntimas do nosso compatriota. Melhor deixar pra lá pra não ser maldosa até porque, em se tratando de política, estou sempre pisando em ovos.
O preparo do brigadeiro, embora simples, tem alguns truques: “Pode-se deixar a massa cozinhar menos ou mais tempo”, ensina o pâtissier Flavio Federico, de São Paulo. “No primeiro caso, haverá um docinho de textura macia; no outro, ele ficará meio puxa-puxa e grudará nos dentes”. E mais: “Caso seja preparado em fogo muito alto e houver um movimento não uniforme da espátula ou colher na panela, o açúcar do leite condensado caramelizará e formará pequenas bolinhas crocantes na massa.”, conclui.
Bon appétit!

terça-feira, 11 de maio de 2010

UM DOCE PRA RECOMEÇAR


Milão realizou pela primeira vez, em 8 e 9 de maio deste ano, uma feira, no mínimo curiosa, que teve como público-alvo os casais que estão se divorciando. Pois é. Na Itália o número de divórcios vem crescendo absurdamente e por isto, alguns visionários(oportunistas?) passaram a investir pra valer neste setor, oferecendo serviços para os novos solteiros recomeçarem nova vida. O Salão do Divórcio aconteceu em um hotel bacana de Milão e contou com 18 expositores entre psicólogos, psicoterapeutas, imobiliárias, arquitetos, investigadores, empresas que fazem testes de DNA para reconhecimento de paternidade, especialistas em relacionamento e por aí foi. O diretor do evento, Franco Zanetti, queria mostrar que o que pode ser considerado fracasso ou falência pode igualmente ser visto como ponto de partida para uma nova fase. Parece que a indústria milionária do casamento achou uma rival (ou seria sua cara-metade?), a indústria do divórcio. É pra ninguém escapar, nem na hora de realizar o sonho do sim nem na hora de se livrar do pesadelo de uma união destemperada. É gastando que se recebe. Mama mia, sociedade mais maluca essa nossa! Tem um bocado de valores invertidos por aí, mas como tudo tem seu lado bom, uma separação também pode ser comemorada. Um Chef presente na feira propôs uma receita que ele chama de Torta do recomeço, uma sobremesa na forma oriental yin-yang, com chocolate e pimenta que lembram o sofrimento da relação passada e maracujá pra purificar a nova etapa. A torta ficou linda e certamente deliciosa. A receitinha completa ele não deu, mas fica aqui a idéia cheia de charme pra quando a gente precisar equilibrar as coisas da alma adoçando a boca, que de amargo basta o chá de boldo que vem como castigo depois da comilança desmedida.
Crie sua Torta do recomeço, invente uma combinação diferente e celebre o momento que já é um baita presente! Vamos ser práticos, compre uma massa congelada para torta (escolha uma boa marca pelamordedeus); descasque, pique e cozinhe algumas maçãs verdes com açúcar e depois bata no liquidificador até obter um purê que vai servir de base para as frutas; abra a massa, faça furinhos com a ponta de um garfo, cubra com o purê e as frutas de sua preferência, caprichando no desenho yin-yang, leve ao forno para assar e... Bon appétit!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

CANCAN NORDESTINO



O cancan, todo mundo já sabe, é coisa de francês. A capsicum chinense, apesar do nome, é nativa da bacia amazônica. Muito popular nos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, esta planta vigorosa, com hastes verdíssimas, produz lindos frutos pungentes que vão do verde ao amarelo alaranjado. No litoral nordestino, ela entra no preparo de molhos feitos na hora: é picadinha e esmagada ainda fresca, com caldo de peixe, cebola, alho e coentro pra acompanhar deliciosos pratos à base de frutos do mar. Estou falando de uma frutinha danada, que queima por fora e por dentro, enchendo a gente de calor e prazer... Apelidada carinhosamente de Arriba-saia por ser tão ardida que dela não escapam nem as moças de boa família que, sem o menor pudor e por total desespero, levantam as saias pra abanar a boca (e outras partes mais íntimas, dizem as más línguas) e aliviar o ardor que sentem ao prová-la. Nossa pimentinha gosta de clima quente e úmido, com solo fértil, profundo e bem drenado (hum, isso explica um bocado de coisas) e é a mais brasileira das capsicum. Confesso que ainda não arribei a saia, ou melhor, ainda não provei a diaba, mas vontade não me falta (estou falando de experimentar a pimenta) e prometo contar tudinho aqui quando isso acontecer... Por enquanto só dá pra imaginar o espetáculo proporcionado por algumas moçoilas provando, ao mesmo tempo, o tal molho arrebatador... E lá estão elas, pegando fogo, as bailarinas nordestinas, quase como no Moulin Rouge, num balé improvisado, sainha pra cima, sainha pra baixo, sainha pra lá, sainha pra cá... Danou-se!! Quem mandou experimentar a arriba-saia, menina assanhada?!
Esta receita fantástica foi dada no quadro Me leva Brasil do programa você já sabe qual. Anote aí e boa sorte! 250gr de camarão, 3 dentes de alho, 1 pitada de sal, 4 folhas de manjericão, 3 galhos de coentro, 3 de cebolinha e 3 de salsa, ½ pimentão picado, ½ cebola picada, ½ tomate picado, 1 xícara de leite de coco, suco de ½ limão, 6 rodelas de banana-da-terra. Lave o camarão e coloque em uma frigideira untada. Junte todos os ingredientes; por último o leite de coco e as rodelas de banana por cima. Cozinhe por 20 minutos. Junte 2 colheres de dendê; o molhinho ardido entra por último e está pronta sua Moqueca de camarão com arriba-saia. Bon appétit!



quinta-feira, 8 de abril de 2010

UM AMOR DE CENOURA



“Les vieilles casseroles font les meilleures soupes, mais les carottes sont jeunes.”
Você certamente conhece só a primeira parte deste tão antigo ditado popular: “Panela velha é que faz comida boa.” A segunda metade deve ter desaparecido, por puro machismo, ao longo dos anos. Ô dó! Mas aqui vai o velho ditado, inteirinho traduzido, sem cortes nem arremates e fiel à língua de Molière: “As velhas panelas fazem as melhores sopas, mas as cenouras são jovens.”
Bom, deixemos as panelas no armário. É a cenoura, esse tubérculo maravilhoso, que vamos desenterrar hoje.
A ancestral selvagem da cenoura tem origem no Afeganistão, onde se encontra uma diversidade imensa da raiz. Digamos que a cenoura selvagem (teoricamente comestível, mas muito amarga e muito fibrosa para ser apreciada como alimento), seja uma priminha da cenoura domesticada que comemos hoje. A espécie longa, de tom laranja intenso, carnuda, de sabor suave e levemente adocicado, surgiu entre os séculos dezessete e dezenove na Holanda e a partir daí, ganhou os mercados do mundo.
Como todas as frutas e legumes ricos em fibras, vitaminas, sais minerais, a cenourinha é uma aliada fortíssima da saúde humana. Seu principal trunfo é o caroteno, essa bendita substância antioxidante que bate de frente com os radicais livres, os vilões responsáveis pelo envelhecimento das células (quanto mais colorida, mais rica em caroteno). Consumidas cruas ou cozidas, raladas, em saladas, associadas a outros legumes como a beterraba e o salsão, em sopas, purês, bolos, sucos, a cenoura só traz alegria, é uma delícia! A sensação de saciedade, leveza e bem-estar que ela nos proporciona é indescritível! Escolha sempre as jovens, firmes, de cor viva, de folhas vigorosas e bem verdes (quando assim forem vendidas) e solte a imaginação na hora do almoço, do lanche, do jantar ou a qualquer hora quando a fome apertar...
Essa deliciosa receita, o Velouté sexy de cenouras, só tem um pequeno inconveniente: a dificuldade em se achar a matéria-prima adequada, já que a carotte sexy só é encontrada na França, no mês de fevereiro; sua forma peculiar dá um sabor único a esse creme delicado e gostoso, aguça os sentidos, abre a mente e nos torna mais amáveis. Será?! Pra cozinha, já!! (não custa tentar). Raspe e corte em pedaços ½ kg de cenouras sexy. Coloque os pedaços em uma panela, cubra com água, junte 1 cubo de caldo de galinha, pimenta-do-reino moída na hora, tampe e deixe cozinhar por 20 minutos ou até as cenouras ficarem bem macias. Em seguida, bata no liquidificador e acrescente 400gr de creme de leite fresco. Acerte o sal. Misture coentro picado e uma pitada de cominho. Sirva com croûtons de alho.
Bon appétit!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

BLANCHE POÊLE



Foi depois de ler o relato do batizado da minha panela Le Creuset azulzinha, a Elvira Rios, que um amigo distante (distante só em quilômetros) me mandou o seguinte recado: “Eu tenho uma frigideira branca (grande e claro pesadíssima), ainda sem receita. Não sou feiticeiro, mas sou esforçado. Me ajuda, vai!?”
Prometi ajudar, mas tinha cá minhas exigências. Pra começar, gostaria de vê-la antes e teríamos que batizá-la também, afinal sem nome e sobrenome, a coitada estaria, digamos, frita. Sugeri um nome francês, delicado e cheio de charme pra honrar sua roupagem imaculada e sua missão neste planeta: Blanche Poêle. Meu amigo aceitou com gosto. Providenciou sem hesitar, fotos mil, de lado, de costas, de frente, o melhor perfil de Blanche e num misto de biografia e comédia romântica, me contou sua história com ela. É de amolecer o coração! Voilà:
“Elma querida, Como te prometi, segue a história de nossa querida Blanche: Bem, tudo começou quando nos encontramos nos EEUU há uns dois anos, quando entre uma aula e outra de um congresso, fui às compras e achei que as malas estavam muito leves... Bem, entre tantas coisas numa casa francesa e entre tantas amigas tão diversas, depois de comprar pincéis e coisas em promoção, vi nossa tímida Blanche, até então anônima no meio de amigas "espetaculosas" verdes, abóbora, vermelhas puta, enfim, ela branca e pura, singela, mas firme e certa do que era e a que veio neste mundo do carbono.Depois de titubear um pouco, resolvi que encararia a empreitada de trazê-la comigo já que ela não suportava mais a América do Norte e a dona da casa que ela então ocupava. A dona, por sinal ficou entusiasmada com minha coragem, "brave man you are!”... Não sei onde Blanche nasceu, é francesa me disse ela de cara (o inglês dela entrega, apesar de sua fluência)... Mas a vida dela esconde detalhes que ela aos poucos nos revela. Ela é tímida. É ofuscada por duas amigas suecas que viviam na Inglaterra, são metidas a práticas, versáteis, forjadas em série a partir de um dos melhores aços do mundo etc... Bem, ela não se intimida, é só dar uma deixa que ela se revela, e como se revela... Ela precisa de um pouco de tempo pra engatar ou talvez seja muito mais uma questão de mais Watts de potência nos queimadores. Tantas possibilidades... Fato é, quando Blanche se embala, ela bota pra quebrar! É vaidosa, faz BEM! e se não tomar cuidado ARROMBA tudo que tiver por perto, em cima, dos lados. Como ela é espaçosa, já dá pra imaginar o estrago que pode fazer se não souber conduzir bem seus calores. Beira a histeria, mas na verdade ela é intensa, sabe o que tem que fazer e faz! Só isso. Ela me revelou hoje, excitada com a possibilidade de mostrar mais ainda seus talentos, que se sente um pouco escanteada, menosprezada até e que sua auto-estima tem andado meio combalida, apesar da consciência de seus valores todos (beleza, funcionalidade, versatilidade, tradição-família importante). Adorou as fotos que tiramos juntos e me pediu que te dissesse que no fundo, no fundo mesmo, ela tá meio cansada de distrações bobas e rápidas. Ela sente que tem um potencial enorme e que deveria partilhar esse potencial com pessoas legais que ela quer conhecer e quer que eu traga aqui pra nossa casa. Não precisa ser pra morar não, afinal ela é ciumenta e já bastam as duas suecas, me disse num tom meio ressentido... Danado esse destino, trouxe nossa menina pra Recife, num ap. de 50m2, onde não fica nem bem ela expor toda sua pujança e paixão, cheiros, fluidos, e calor - enfim seu lado mais humano. Eu providenciei uma tampa... pra deter um pouco de seu ímpeto, ela sempre me queima um pouquinho pra se "amostrar", é verdade! tá ficando pernambucana! Danada!Veja as fotos e tire suas conclusões... O dilema é grande! Tanta intensidade numa criatura que bateu vontade de virar caldeirão. Aguardamos ansiosos sua resposta. Beijão...”

Ainda não respondi, mas vou responder e já posso imaginar o que Blanche e Elvira são capazes de aprontar juntas, sobre um mesmo fogão, de bundinhas quentes, untadas, cheias de calor pra dar... pra grelhar, pra refogar, pra fritar, pra cozinhar...
(E depois a surtada sou eu!?)

Bon appétit!

PAU RODADO, QUE NADA!



“A gastronomia cuiabana é fruto de um ambiente natural e de cultura própria, caldeada no decurso dos séculos e prática ancestral de nossa sociedade.” (José Carlos Vicente Ferreira)
Impossível falar da gastronomia mato-grossense sem se embrenhar nas origens desta região de proporções notáveis. Deve-se à descoberta do ouro (início do século dezoito), o surgimento do primeiro povoado neste pedaço de chão do oeste brasileiro, até então habitado pelo povo indígena Bororo que, juntamente com os colonizadores europeus e os negros escravos, contribuiu para mesclar e dar origem à população cuiabana que conhecemos hoje. Como herança cultural do povo Bororo, ficaram os potes e as panelas de barro, os balaios, o conhecimento da caça, da pesca e da coleta dos frutos da terra, o cultivo da mandioca, do inhame e do milho... A agricultura e a pecuária chegaram logo depois. A convivência amistosa entre o povo indígena e o negro escravo contribuiu de maneira decisiva para o nascimento da típica culinária cuiabana. Outro ingrediente histórico que temperou o que já era bom, é a variedade étnica composta por gente vinda dos quatro cantos do Brasil e outro tanto vindo do exterior. Hábitos alimentares diversos foram se agregando à base da culinária local. Pronto. Nasceu uma cozinha rica e de sabor peculiar; de preparo relativamente simples, farta, pra ser compartilhada; levemente adocicada pela banana-da-terra presente em tantos pratos; comida de verdade que faz suar, suor que faz o corpo refrescar...
Pisei pela primeira vez o solo quente, quentíssimo, dessa terra em 1981... Em 1988, estava aqui de mala e cuia, suando em bicas e feliz da vida. Pau rodado?! Uma ova!! Escolhi viver aqui!! Acho até que fui convidada.
Hoje minha amiga Cuiabá está de aniversário. Para ela vão meus pensamentos e brindo essa amizade de tão longa data... Vou juntar 1 copo americano de licor de cacau, 1 lata de leite condensado, 2 latas de leite, 1 colher (sopa) de chocolate em pó, 1 copo americano de aguardente ou vodka, 1 vidro de leite de coco, bater tudinho no liquidificador e está pronto um licor delicioso, a Meia-de-seda cuiabana... Tchin tchin amiga!! Te desejo paz e harmonia; mais árvores, mais flores, mais frutas; uma infinidade de temperos e sabores...
Bon appétit!

terça-feira, 6 de abril de 2010

ELVIRA & EU



Você certamente já ouviu o ditado “mente desocupada é a oficina do diabo”. Pois bem, foi um desses momentos que me fez participar de um Quiz proposto em uma rede de amigos da internet: “Que personagem dos filmes da Sessão da Tarde é você?” (como se a sessão da tarde ainda fizesse parte das minhas tardes). Meia dúzia de perguntinhas bobas, respondi, cliquei, enviei. Resultado: “Você é Elvira, a excêntrica personagem principal do filme Elvira, a Rainha das Trevas, que choca todo mundo numa cidadezinha do interior... blablabla.” Veja você, eu não conhecia o filminho, mas um amigo, doido por cinema, ficou rosa shocking de tanto rir com a tal comparação e logo deu um jeito de marcar uma sessão da tarde na noite de sábado pra tirar a prova dos nove. Foi uma hilária e deliciosa descoberta. A protagonista do filme é exagerada, de gosto meio duvidoso (estou sendo gentil), picante, temperadíssima, mas muito envolvente e sobretudo original. Temos um bocado de coisas em comum, isso não dá pra negar ( primeira sílaba do nome, estampa de oncinha, peitões em decotões, uma vida recheada de surpresas e por aí vai...), porém o que mais me surtou é que Elvira e eu temos exatamente a mesma panela: uma linda Le Creuset azul, de onde pode surgir de um tudo... Não resisti à tentação e batizei minha panela que agora tem nome e sobrenome, e se brincar, Elvira Rios vai virar a estrela da minha cozinha. Mente desocupada é ou não é a oficina do diabo?
Prepare-se. Com Elvira vai ser uma comidinha demorada só pra ela poder mostrar todo seu calor e fazer você gemer de prazer... ou seja, uma receita de cozimento lento, sobre fogo brando e constante pra você apreciar o prato.
Na véspera, coloque pouco mais de 1kg de músculo cortado em cubos médios em uma marinada feita com 1 garrafa de vinho tinto seco, 1 colh. sopa de azeite, 2 cenouras grandes cortadas em rodelas grossas, 1 cebola grande em pétalas, 2 dentes de alho inteiros, 1 folha de louro, 5 grãos de pimenta-do-reino, 1 cravo-da-índia. No dia seguinte, escorra a carne e frite os pedaços em fogo alto com um pouco de óleo. Junte a cenoura, a cebola e 30gr de manteiga. Deixe cozinhar por 15 minutos sem tampar. Polvilhe 1 colh. sopa bem cheia de farinha de trigo e misture bem (a farinha deve dourar ligeiramente). Cubra tudo com o vinho e deixe ferver. Sal e pimenta-do-reino moída entram agora. Junte um copo de água, 1 colh. sopa de molho concentrado de tomate e o alho da marinada. Tampe e cozinhe lentamente por 2 lonnngas horas. Sirva com batatas cozidas no vapor. Elvira e eu esperamos que goste!
Bon appétit!