quinta-feira, 25 de junho de 2009

SOPA DE PEDRAS

Um homem vivia andando de vila em vila apenas com a roupa do corpo, uma grande panela de ferro às costas e pouca coisa mais.Chegou a um vilarejo frio, onde não conhecia ninguém, acocorou-se numa esquina e, com um punhado de gravetos, acendeu uma pequena fogueira. Pediu água numa casa, lavou bem três pedras lisas que havia catado na rua e colocou-as na panela, que encheu de água e colocou no fogo.De vez em quando mexia a panela com uma varinha. Os curiosos foram se aproximando. Um perguntou o que fazia:– Faço a minha sopa de pedra – foi a resposta lacônica.– Mas é mesmo para tomar?– Sim e é uma delícia. O homem esperou um pouco e prosseguiu: – É claro que ficaria melhor se tivesse um pouco de sal e tempero…– Não seja por isso – gritou uma senhora. E correu para a casa em frente, onde foi buscar sal, pimenta, um pouco de azeite, salsa, cebola e cebolinha.Agora dava para sentir o cheirinho dos temperos fervendo na panela. Outro curioso achou de comentar:– Mas está muito rala essa sopa.– É claro! Se tivesse um pouco de verdura e uma lasquinha de carne pra engrossar, ficaria melhor. Logo outras pessoas trouxeram toucinho, carne, couve, cenoura, favas... O homem experimentava a sopa, aprovando o sabor com uma interjeição, enquanto as pessoas em volta salivavam e engoliam a seco. Enfim ele ofereceu:– Podem trazer seus pratos. A sopa é suficiente para todos.E assim foi. Quem provou gostou. O homem foi embora feliz, comentando:– As pedras desta vila são muito saborosas, vejam só a sopa que deram!
Nas inúmeras versões desta história de origem portuguesa o homem, algumas vezes, é mencionado como malandro, outras como ingênuo, frade ou mendigo. No fundo, isso não tem a menor importância. O elemento que realmente conta, são as pedras, que saem da história como entraram, assim como o nosso personagem. Eles não tiveram qualquer participação no produto final, mas seu papel no processo de preparar a sopa foi fundamental. Enfim, o que ressalta do caso é que a simples (co)operação pode realizar milagres e aquecer a solidariedade congelada em cada pessoa. Não existem fronteiras para os sabores. Os gostos são fraternos. Alimentos de diferentes culturas se misturam e permeiam nossa história recheada de prazeres singulares. Produtos de origens diversas podem compor um inusitado prato harmônico, se este for o nosso mais profundo desejo. Não seria a gastronomia um delicioso (re)curso para aproximar os povos separados por barreiras imaginárias? Você, muito provavelmente, estava esperando de mim uma deliciosa receita de “peru de pernas pro ar”, regado à champagnes e frisantes. Désolée... Posso até ter tirado o dourado de sua festa, mas a essência do espírito natalino está mesmo é no fundo do caldeirão desta saborosa (re)feição fraterna. Faça sua sopa, com suas pedras, sirva-a com espessas fatias de pão ungidas com manteiguinha de azeite de oliva e aplaque a inquietação que a virada do ano impõe à alma humana desde os primórdios. Que cada manhã de 2009 seja um Réveillon em sua vida! Bon appétit!

“A gastronomia é um dos principais vínculos da sociedade; é ela que amplia gradualmente aquele espírito de convivência que reúne a cada dia as diversas condições, funde-as num único todo, anima a conversação e suaviza os ângulos da desigualdade convencional.” (Brillat-Savarin)

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